10.6.12

devia ter filmado

A seguir ao jantar a nossa kiki aceitou a minha sugestão e trouxe o quadro para a sala para treinar a escrita em português. Que delícia, a forma como pega na difícil caneta de ponta grossa e a desliza pelo quadro uniformemente, do princípio ao fim da palavra, unindo as letras com pernas e braços retorcidos como ensinam na escola, enquanto entoa sílabas e sons complicados a meio tom para decidir que opção seguir na escolha das letras de sons ambíguos, tão comuns na nossa estimada língua. A perfeição na forma só teve par na correcção vocabular, até em palavras de razoável nível de dificuldade. Para quem ainda nem começou a aprendizagem da leitura na escola o feito é fenomenal. Já domina por completo a lógica de construção da palavra a partir dos sons, admitindo por defeito - reflexo da aprendizagem em várias línguas em simultâneo - que a pronúncia é enganadora e pode encapotar todo o género de ortografia.

Ao vê-la debater-se entendo melhor os estrangeiros que comentam que soamos russos. Atrapalha-se frequentemente com os aa que parecem ee, os ss que também podem ser cc, os hh a seguir a nn e ll, e tantas outras peculiaridades que confundem todos aqueles que se aventuram pela primeira vez pelos meandros do português - e muitos que julgam dominar a língua. A título de curiosidade, o nosso insaciável Diogo questionou-me recentemente sobre a aplicação do à e do há, uma das principais fontes de erro na escrita. Tentei apresentar-lhe uma maneira relativamente simples de se lembrar mas duvido que tenha conseguido reter.

Andava ela ocupada com tais afazeres e o campeão aplicava-se a declamar uma poesia que a professora mandou como trabalho para casa. Ontem pediu-me para deixar para hoje e, quando lhe perguntei de quanto tempo pensava precisar, respondeu com segurança que 15 minutos bastariam. Sem razão para desconfiar das suas capacidades a este nível, acedi mas registei. Sem grande surpresa, foi ainda mais longe e memorizou as 20 linhas num terço do tempo a que se tinha proposto. Disse-a com hesitações e umas quantas falhas de menor importância mas disse-a por inteiro. Por dentro enchi-me de orgulho pelo brilhantismo mas achei que devia aproveitar para lhe deixar mais uma pérola de sabedoria parental. Confrontei-o com a falta de esforço colocado no trabalho e com os erros decorrentes. Perguntei-lhe qual era o resultado que esperava se a dissesse assim na aula e qual seria se tivesse aplicado mais algum tempo no estudo. Acabou por concordar comigo, voltou para o quarto durante mais uns minutos e regressou de bom humor, assegurando-me que estava bem aprendida. Desta vez disse-a sem falhas ou hesitações. Dei-lhe parabéns entusiasmados e pedi-lhe novamente para se lembrar do valor da dedicação e da concentração.

Nuno

1 comentário:

Berta disse...

Nuno!

Pois é! Se um elefante incomoda muita gente, 2 ou 3 incomodam muito mais. Ou seja, dominar uma língua como a portuguesa não é tarefa fácil; dominar 2 ou 3, muito mais complexa.
Os pequenotes têm que trabalhar bastante com dedicação e concentraçao. Tão importante como isso é terem tempo para o lazer, a brincadeira, a descontração, o sonho... Beijinhos