Consta que só falto eu partilhar memórias sobre a visita a Nova Iorque. Os
reparos são devidos e merecidos, há algum tempo que a Patrícia vem alimentando
o blogue sozinha. Talvez porque o faz tão bem e nos mantém a todos informados e
actualizados, pouco me parece que possa acrescentar com os meus habituais
devaneios descoordenados. De qualquer forma, depois de duas semanas de
insistência tenaz acedi a contribuir com impressões da proverbial big
apple e aqui estou.
Foi a minha terceira aterragem na cidade, cada uma com
âmbitos bem específicos e diferentes. A primeira vez em 2008 em trabalho, já ao
serviço (embora indirecto) da Nike numa missão de desenvolvimento de novos
negócios. Entre outros momentos dignos de relevo, o champagne no rooftop do
Gansevoort, de onde se vê a cidade quase toda, e os shots no Coyote Ugly, onde
filmaram o filme das meninas aspirantes ao estrelato que dançam em cima do
balcão enquanto esperam pela fama.
Uns anos depois encontrei-me com a Patrícia para um
fim-de-semana de passeio a dois, aproveitando uma das regulares viagens de
trabalho que ela na altura fazia à cidade. Tão típico das nossas deambulações,
nem descobrimos como funcionam os transportes públicos, preferindo andar a pé
por todo o lado. Recordo um pequeno-almoço no Pain Quotidien, que na altura
ainda não tinha representação em Amesterdão, a manhã no Moma a admirar arte
moderna, o jantar com o amigo André que na altura tinha acabado se mudar para
lá, e outro em Brooklyn com um bando de tugas em casa do João Gama, filho do na
altura Presidente da Assembleia da República.
Agora fomos em família, depois de anos de insistência da
nossa Kiks, aliciada pelas histórias que a sua mamã contava e pelos magníficos
presentes que sempre lhe trazia no regresso. Tanto ela como o Diogo ficaram
para sempre marcados pelos sacos de M&Ms multicolores trazidos directamente
da loja da marca, pelas varinhas de condão do Harry Potter, pelos vestidos
lindíssimos escolhidos a dedo na Fifth Avenue. A Catarina segredou ainda que
imaginava a cidade como uma Times Square infinita, com luzes de neon a cobrir
as fachadas de prédios altos a perder de vista. O primeiro impacto foi quase
uma desilusão, quando saímos do taxi e nos encontrámos num apartamento de
aspecto normal com vista para um parque de cidade.
Cada uma das 3 visitas foi marcante à sua maneira, guardo
memórias fabulosas de momentos irrepetíveis. De todas, esta foi de longe a
melhor. Viajo bastante, raramente por vontade própria, por gosto só mesmo em
família. Absorvo por mim e por eles, que têm o privilégio de aceder a estes
mundos distantes ainda tão jovens. As suas observações surpreendem-me sempre,
somos tão próximos mas vivemos em realidades esmagadoramente díspares. O mundo
aos seus olhos pauta-se por regras que me são desconhecidas e move-se a uma
velocidade que me desorienta. Em alguns momentos tenho que acelerar ao ponto da
exaustão só para os acompanhar, no instante seguinte carregam a fundo no travão
e preciso de toda a minha energia para os arrancar dos telemóveis.
Nova Iorque está feita para eles e outros como eles. O
contraste como pano de fundo, um mundo novo a cada esquina, a guerra das
estrelas ao nível terrestre. Nunca se sabe o que se vai encontrar quando se
acorda de manhã. Cada segundo uma descoberta, cada ser uma incógnita. Há mais a
descobrir numa conversa casual com um condutor de taxi aleatório do que com
muitas personalidades notórias noutros pontos do globo.
Logo a abrir, 7 da manhã de uma segunda-feira, um café
tranquilo na midtown, uma senhora desequilibrada começa a berrar
com a nossa Kiks porque distraída apontou a máquina fotográfica na sua
direcção. Ao fim de 15 minutos a nossa filhota teve o seu primeiro encontro com
a cidade que nunca dorme. Jamais hei-de esquecer a sua expressão desorientada,
incapaz de entender sequer o contexto em que a cena decorria. À nossa volta
tudo tranquilo, os empregados do café interviram com tranquilidade para acalmar
a senhora, a cidade lá fora assistia ensonada e sem particular interesse,
acostumada ao furor alucinado das suas gentes.
Este encontro define a cidade e pôs-nos em sentido. Para
enfrentar Nova Iorque é preciso cerrar os dentes e contrair os músculos. Os
fracos são postos de lado e jamais voltam a erguer-se. A Esparta moderna, the winner
takes it all, a eterna sarjeta para os desadequados. O dinheiro e a procura
do mesmo dominam o pensamento de todos quantos se movimentam no seu meio, nada
mais interessa do que garantir posição e ultrapassar a concorrência. If
I can make it there I´ll make it anywhere, diz o Sinatra na perfeita
homenagem ao espírito agreste desta urbe inimitável.
No dia seguinte, o atentado na downtown em
dia de Halloween. Tínhamos lá estado no dia anterior. A sorte que sempre bafeja
os sortudos do momento, acaso puro sem explicação atestado por tantos outros momentos
de azar. Horas de preocupação, será que vamos à parada ou voltamos para casa,
acabámos por voltar pois estava tudo cansado e ainda consumido pelo jet lag.
Ambulâncias e carros de polícia dominavam o espaço sonoro, ainda mais do que o
costume. No dia seguinte, tudo de regresso ao habitual. Lemos nos jornais que 2
milhões de pessoas tinham ido à parada, recusando deixar-se intimidar por algo
tão pequeno quanto um atentado. Cidade dos diabos, gente rija.
Daí até ao vôo de volta não houve mais tropeções. Tanto
de bom para relembrar, desde o jogo de futebol americano à peça da Broadway, da
conversa inesperada com duas senhoras do Qatar à viagem de carro até
Philadelphia para conhecer as universidades da Ivy League. Alinhámo-nos com o
ritmo local e deixámo-nos assimilar pela loucura, ao ponto de quase acharmos
normal guardar em casa estátuas e equipamento militar com milhares de anos e
valorizados em milhões de dólares sem qualquer espécie de protecção. Só não
podem tocar nas peças de metal, de resto mexam à vontade que é para isso que lá
estão.
Espero que os nossos adolescentes estimem e apreciem
estas oportunidades. Sei que fica alguma coisa porque já falam na próxima.
Nuno