À minha volta gente essencialmente simples. Nuances poucas, nenhumas mesmo. Gente que parece complexa, que se empenha em parecê-lo. Mas gente simples. Linear nos gostos, tendenciosa nas escolhas, uniforme na apresentação.
Arrogância minha, dir-se-á, é conhecido por isso. E logo aqui, por escrito, tão definitivo e absoluto. Só pode ser engano, cada pessoa é um mundo, cada alma um turbilhão. Não digo que não sintam, sonhem, sofram, amem. Fazem tudo isso, confirmo. Mas em cardume, num contínuo perpétuo de imitação. Enjoa-me. Procuro obssessivamente a diferença, desiludindo-me quando a encontro e a percebo igualmente imitada.
Ambiciono a unicidade discreta, com desprezo pelas parangonas e pela aprovação colectiva. Por fora a normalização pragmática, por dentro uma explosão infinita de autenticidade indiferente. Pouco me importa a qualidade estética, essa entrego-a de bom grado à voracidade de um mundo dominado por chavões. Spin city. Spin world diria eu. Nada dura mais do que um momento, todos mesmerizados pela brilhância, empolgados pelo aparente alcance da imagem, iludidos quanto ao risível impacto da própria existência.
Hoje cá andamos, amanhã o mundo continua sem nós. Essa continua a ser a única realidade. Numa vida para os vivos, cada um procura apresentar-se mais vivo que o resto, numa chamada de atenção virtual ao desconhecido, numa exclamação de renúncia à morte, numa pertença compulsiva ao grupo dos que respiram com mais força, numa absurda crença de mérito vital que convença o derradeiro juiz da justeza da sua vivência.
Todos simples, todos desmascarados. Eu inclusive. Desmascaro-me a mim próprio pois a tal arrogância não permite deixar tal tarefa para terceiros. A minha exclamação revela-se na absorção da alma do mundo. Quero o âmago, nada menos que isso. Vivo à superfície mas sonho profundo. Renego o consumismo experiencial, evito a entropia intelectual pela via sensorial e cativo ao invés a fruição mais elementar. Qual físico existencialista, reduzo aos elementos básicos toda e qualquer percepção, retirando satisfação da enorme complexidade natural que nos rodeia.
Nisto sou certamente igual a tantos outros, presentes e passados. Mas sou-o por mim, num agradecimento silencioso ao acaso pela oportunidade de estar vivo. Quando um dia me for, espero sair com a convicção que retirei tudo o que podia e que deixei apenas uma forma de estar. De forma alguma desejo ser fonte de inspiração, não tenho ombros para tanta responsabilidade. Reservo antes a cada um o direito de moldar livremente o seu próprio alter ego.
Nuno