30.6.12

Euro 2012: Portugal – Espanha

Portugal chegou (e bem) às meias finais. O Campeão, naturalmente, apoiava a selecção nacional e, ao longo do compeonato foi angariando amigos (para apoiar Portugal) cujas selecções ficavam pelo caminho.

E assim no dia da meia final o Campeão convidou dois amigos e vestiu-os a rigor para verem Portugal a enfrentar a selecção espanhola (bi-campeã).

Por azar, depois de um jogo bastante equilibrado e de prolongamento sem golos, Bruno Alves falhou o penalti e fomos eliminados. Foi triste.

Patrícia

Classe de neige - fotos


Passaram 5 meses desde que o Campeão foi na sua visita da escola, a classe de neve. Só agora nos chegaram as fotos - aqui ficam algumas.


Com os canitos





No vestiario e na cantina





A passear na neve com as raquettes








 A patinar



  

A esquiar




 A orientar-se


Patricia

24.6.12

Um, dó, li, tá, cara de amendoá, um segredo colorido, quem está livre?

Livre está. Em cima do piano está um copo de veneno, quem bebeu morreu, o azar foi mesmo teu!
Amesterdão – Lisboa - Portland?
Patrícia

Pirosice de domingo

Domingo. Chuva. Meninos fora de casa. Meninas a divertir-se com coisas de meninas...



Só por umas horinhas que ˝não se dorme com unhas pintadas ou se vai assim para a rua˝. Umas pinceladas de verniz fizeram-lhe o dia.

Patrícia

génio alegre

Quem por vontade ou acaso tomar conhecimento dos resultados do Diogo na escola mas não tiver tido ocasião de privar com ele, é bem capaz de jurar que o rapaz se dedica com seriedade aos trabalhos de casa e se prepara arduamente para os testes. A presunção é compreensível dada a exigência das aulas e o a carga de trabalhos e testes com que diariamente brindam os alunos - se existisse um postal para ilustrar o liceu francês no estrangeiro, incluiria sem dúvida uma criança inclinada para a frente, prostrada pelo peso da gigantesca mochila que carrega às costas - mas não podia estar mais longe da verdade.

A crua realidade é que o nosso campeão reserva para o estudo nem mais um segundo do que o mínimo absolutamente indispensável. Diria até que gosta de esticar a corda e infiltrar nos já de si minúsculos períodos de dedicação intervalos para comer, ir à casa de banho, dar uma espreitadela nos desenhos animados e pesquisar na internet as imagens dos jogos de futebol do dia anterior. Sempre foi assim e não tem revelado qualquer tendência para melhorar com a idade ou com o aumento de dificuldade das lições. Ouve com ilusória receptividade os sermões que lhe dispensamos a este propósito mas reassume hábitos antigos assim que viramos costas.

Quanto à pressão dos pais, resume-se à transmissão das competências de prioritização, ao esforço contínuo de estruturação de uma cabeça em desenvolvimento e a ocasionais chamadas de atenção quando sentem que o tempo disponível é insuficiente para acomodar a galhofa e as obrigações. Dito assim parece muito mas qualquer pai dedicado sabe que pequenos mas regulares momentos de orientação integrados numa política de educação consistente têm infinitamente mais efeito do que palestras infindáveis ou longas sessões de estudo acompanhado.

Tudo somado, não aplicamos neste apoio mais do que uma média diária de 10 minutos, distribuídos equitativamente entre os múltiplos alertas necessários para que se sente à secretária e uma aferição muito acelerada dos conhecimentos. Na maior parte dos casos temos que pôr mais empenho na insistência para que conclua aquilo que começou do que no próprio acompanhamento da aprendizagem, parte com a qual nunca temos tido que preocupar-nos.

O mais frustrante nesta dinâmica é a falta de legitimidade da nossa parte para exigir seja o que for da sua parte. Sempre que tentamos apontar uma falha ao nível do método de trabalho ou da dedicação, somos inevitavelmente confrontados com a excelência das notas, o entusiasmo dos professores e as observações admirativas dos pais dos amigos. Não que ele no-lo aponte - tal é a generosidade da sua natureza que aguenta pacientemente as exigências despropositadas dos pais -, nós é que somos por honestidade obrigados a reconhecê-lo.

Na sexta-feira fui buscá-los à escola. Como estamos perto do final do ano escolar, ele trazia um apanhado dos testes deste trimestre para eu assinar. Enquanto folheava o caderno, não pude deixar de me emocionar com a qualidade monstruosa deste miúdo. Matemática, ciências, história, geografia, francês, holandês, inglês...página após página, 17, 18, 19, 20. De excelente para cima, sem fraquezas, quase sem suor. Força bruta, potencial infinito.

Tão deliciado estava que me esqueci de tudo o que me rodeava. A certa altura levantei os olhos para me certificar que tudo estava bem e apercebi-me que várias mães de colegas deles, sentadas na mesa ao lado, olhavam esparvoadas para a pasta que eu tinha na mão. Nesse preciso instante consciencializei-me pela primeira vez do luxo supremo de ter filhos assim.

Nuno

23.6.12

Fête de la musique

Quinta feira os meninos foram actuar no Instituto Francês de Amsterdão, também conhecido como a Maison Descartes. Este programa estava inserido na semana do jazz.

Tirei a tarde de férias e fui buscar os meninos à escola. Correria até casa para os vestir de preto e branco e outra de seguida para o dito instituto. Sermão a meio porque assim que saímos de casa com roupa nova, o Di no seu típico comportamento de rapazola, sujou as calças todas...

Meninos entregues e esperar pelas actuações.

A Kiki estava era solista (juntamente com mais 5 meninos) no grupo dos mais novos e cantaram três belas canções.


O Di cantou primeiro em coro com um grande grupo três canções.

Depois ficou só a sua turma e interpretaram mais 4 canções de Claude Nougaro.




Sem dúvida o Di é um Campeão. Por virtude própria. Seja academicamente, nas actividades extra curriculares ou nas artes, limpa sempre tudo com a maior das facilidades. Harvard com ele!

Patrícia

Euro 2012

Esta semana, com a ajuda final do papá (para não serem só os avós) que encomendou os últimos cromos que faltavam, o Campeão completou a caderneta do Euro. Andava numa corrida com alguns colegas e, apesar de alguns comprarem caixas inteiras de carteiras de cromos, ele foi o primeiro a terminar.


O Campeão fez-me também ficar em primeiro lugar numa aposta no trabalho sobre o resultado dos grupos no Euro. Fizeram-se as apostas. Eu dei a minha ao Di para que ele a preenchesse e, surpresa, fiquei em primeiro lugar (e ganhei 60 Euros – que andamos agora a negociar como dividir).

Uma loucura de, para e com o futebol.

Patrícia

22.6.12

cerejas


Grandes, lustrosas, macias, tenras, carnudas, voluptuosas, sumarentas, saborosas e doces como só um fruto genuíno pode ser. E as cores...uma miríade de tons que oscilam entre um vermelho vivo de sangue fresco e um púrpura tão escuro que facilmente passaria por preto.
Quero comê-las mas retraio-me perante o espectáculo visual. Fico um momento à espreita, sem me atrever a abordá-las. Volto atrás para buscar a máquina e disparo continuamente, até saciar a fome da vista e confiar que capturei aquela primeira impressão tão marcante.
São muitas, parecem multiplicar-se ali mesmo à frente dos nossos olhos. Tantas que as mãos cheias que lhes subtraímos parecem não fazer mossa, como um balde de criança cheio de água retirada ao oceano para molhar a areia seca na base do castelo.
Comemos.
- Pai, engoli um caroço...
- Agora vai crescer uma cerejeira no estômago.
- Oh pai, diz a verdade!
Fruta assim não há por estas bandas. Aqui tudo é artificial. Chego a suspeitar que injectam plástico para dar aquele toque de perfeição estética e anular por completo o cheiro e o sabor. É aliás impossível escolher as melhores peças e as compras tornam-se um exercício da mais pura adivinhação. As cerejas em particular são enganadoramente escuras, o que lhes confere um aspecto apetitoso que em nada corresponde à realidade.
Continuamos a comer.
- Cuidado, as nódoas de cereja não saiem. E não...esfregues as mãos na camisola - tarde demais.
Que belo presente. Sabores da terra, diz o meu pai enquanto se gaba das sardinhas do almoço. O peixinho na grelha vai ter que esperar mas as cerejas já cá cantam. Trazidas por encomenda e deixadas na casa do vizinho, que seguramente não fazia ideia do que ali jazia no seu hall de entrada.

Nuno

19.6.12

portugal-holanda


Muito mais do que pelo resultado em si, para nós um encontro entre as equipas de Portugal e da Holanda vale por toda a envolvente emocional. Está em jogo muito mais do que o mero sucesso competitivo da equipa que representa o nosso país - embora assumamos essa ambição como qualquer outro português residente ou expatriado. Há igualmente que considerar todo o impacto pessoal e social para quem reside no país cuja equipa se defronta naquela ocasião em particular.

Por coincidência, mais ou menos por altura de nos mudarmos para cá, Portugal e Holanda tinham-se encontrado duas vezes seguidas em fases finais de competições de futebol - mais concretamente nas meias finais do Euro 2004 e nos oitavos de final do Mundial de 2006 - e em ambos os casos as partidas foram muito disputadas (diria até controversas, com queixas dos dois lados) e a vitória acabou por sorrir à equipa portuguesa. O jogo de 2006, durante o qual a tensão esteve ao rubro e vários jogadores de cada lado foram expulsos, decorreu na antevéspera da nossa primeira viagem para cá e 5 dias antes do meu primeiro dia de trabalho. Lembro-me que a memória estava ainda bem fresca nas cabeças dos meus colegas e que durante meses aproveitaram qualquer ocasião para lançar acusações ao comportamento dos jogadores portugueses.

Por isso, assim que soubemos que o sorteio para o Euro 2012 nos tinha alinhado novamente com a Holanda, percebemos de imediato as implicações que isso teria para nós: fossem quais fossem o resultado entre os dois países e a classificação final do grupo, este confronto directo iria inevitavelmente afectar-nos. Se fossemos afastados e eles seguissem em frente, pela raiva afogada à força e pela humilhação de os ver celebrar nas ruas, espalhando bandeiras e toda a espécie de tecido laranja pela cidade; se nos calhasse a nós avançar deixando-os para trás, por ter que conter a alegria por precaução - acredite quem quiser que, pelo menos no que toca ao futebol, estes nórdicos nada têm de moderados.

A isso juntava-se ainda uma desconfiança generalizada nas capacidades da selecção. Talvez porque o percurso durante a qualificação foi irregular, ou porque o seleccionador não tem grande carisma, ou possivelmente porque a atitude dos jogadores durante o período de preparação deixou algo a desejar em termos de concentração. A verdade é que dava ideia de um conjunto desagregado com um par de estrelas vaidosas, uns quantos aspirantes ressentidos e um mar de carregadores de piano sem talento para jogos ao mais alto nível, todos pretensamente liderados por um treinador famoso pelo sua teimosia extrema e cujos únicos méritos conhecidos eram umas temporadas mal conseguidas ao serviço do sporting. Para dizer verdade, se lhes era concedido o benefício da dúvida era apenas em função dos resultados conseguidos depois da saída do anterior seleccionador e do descalabro dos primeiros jogos de qualificação. Ainda por cima tinha-nos calhado na rifa o denominado `grupo da morte`, com Alemanha, Holanda e Dinamarca pela frente.

Começou então o campeonato e com ele as primeiras surpresas. No nosso grupo a equipa das quinas correspondia às expectativas e perdia contra a Alemanha (apesar de ter feito um bom jogo); já a Dinamarca surpreendeu o mundo com uma vitória frente à Holanda, uma das principais apostas para a conquista do título. A coisa estava a tornar-se interessante. No segundo jogo cumprimos a obrigação e derrotámos a Dinamarca - condição sine qua non para a continuação em prova -, enquanto a Holanda se afundava contra a Alemanha e liquidava qualquer aspiração. The tables had turned, tudo estava a nosso favor. Restava-nos um jogo contra uma equipa fragilizada e descrente, precisamente aquela que para nós interessava mais. Estávamos então no pior cenário possível: o embate entre as equipas portuguesa e holandesa seria um jogo de mata-mata, de tudo ou nada.

Os holandeses começaram agressivos, como se esperava. Para terem qualquer hipótese de passar tinham que ganhar por pelo menos 2-0 e esperar pela vitória da Alemanha no outro jogo. E tudo parecia sair-lhes bem...ao fim de uns minutos já ganhavam por 1-0, golão de fora da área no primeiro remate digno do nome. Mas esse golo teve um efeito surpresa: a nossa selecção acordou e perdeu o medo, tomando controlo do jogo e passando a ameaçar com regular acutilância a baliza adversária. Daí até ao final aconteceu o mais natural, com Portugal a dar a volta ao resultado, falhando uma goleada histórica por manifesta falta de sorte no remate final.

Escusado será dizer que aqui em casa se festejou. Discretamente, como é nosso apanágio, mas com fervor. Basta ver a imagem acima, que julgo reflectir a crença que por aqui se passeava. Enquanto isso, nas ruas o silêncio era total. O mais curioso é que essa tranquilidade não chegou no final do jogo, já vinha de trás: desde a primeira desilusão contra a Dinamarca que tomou conta do povo uma descrença generalizada. Do habitual arraial que assalta cada espaço público ou privado nos dias de jogo, passou-se para uma discreção quase arrepiante. E no final, quanto tudo tinha acabado e se confirmaram os piores receios, soltaram os dedos acusatórios e massacraram o treinador; o mesmo que há 2 anos levou a equipa à final do Mundial.

Nuno

18.6.12

cumplicidades

Domingo à tarde e nós por aí. Pouco interessa onde, só me lembro de estarmos juntos. Vozes singulares em cacofonia, risos espontâneos de almas soltas, gritos desafiadores e logo repreendidos. Num etéreo jogo de escondidas, as nuvens deitam-se deliciadas de barriga para cima a gozar o brilhante sol de junho e reservam para nós as costas carregadas de cinzento escuro, em deliberada ameaça de tempestade latente. Cá de baixo maldizemo-las impotentes e arrepiamos caminho, mal disfarçando o incómodo. Nada como os fenómenos naturais evidencia tão claramente a nossa pequenez. Qualquer plano que façamos, por mais previdente e detalhado, esboroa em ridículo perante a inclemente vontade atmosférica.

- De facto, só o tempo para nos fazer sentir tão irrelevantes - solto para o ar, na esperança que alguém apanhe a deixa.

À luz do óbvio insucesso da iniciativa, recrimino-me pela frase batida e concentro-me no prazer inortodoxo da primeira pinga que me cai no nariz. O arrepio do molhado aporta um toque de aspereza a uma existência de resto subtil e obriga ao reconhecimento da presença em redor. Há uma vaga brisa marítima no ar, que por um instante me transporta até casa - nada de concreto, algo bem profundo, um lar primordial do qual não tenho qualquer recordação activa. Aí sou pleno, não caibo nesta concha que habitualmente me define e preencho o todo à minha volta. Viajo sem tempo ou espaço, num limbo inenarrável que ingenuamente classifico de nada. Até que o cheiro a lodo e metal apanhado pelo vento à passagem pelo cais me traz de volta à realidade e me define enquanto sólido deste sítio onde escolho estar.

- Pai, tenho frio - dispara a pequenota.
- Anda cá, encosta-te a mim. E filho, por favor fecha o casaco...
- Mas estou cheio de calor!
- Fecha o casaco, sentencia a mãe.

Mais um dia se esgota sem qualquer acontecimento de relevo. Paradoxalmente, assalta-me um universo de pequenas sensações recordadas que me aquece ao cair da noite. Não preciso de fotografias ou filmes, guardo tudo o que preciso dentro de mim. Imagens antigas são meros auxiliares de referenciação, índices da memória. Mil vezes prefiro recordações imprecisas e desconexas mas cheias de vida do que um catálogo com infinitos posters de gente perdida no tempo, reflexos pálidos de pessoas que deixámos de ser ou que em tempos nos foram tão queridas. Imprópria que seja, essa é a minha escolha. Não a imponho contudo, e observo deliciado o entusiasmo com que os pequenos revêem as fotos do dia e riem um riso pateta das caretas e palhaçadas com que um e outro nos brindaram ao longo da jornada.

Felicidade assim não tem lugar fixo. Paira livre em permamente desassossego, ao alcance apenas de quem a não quiser prender. Qual fada de roupagem translúcida, flutua ao sabor do desejo, revela-se por instantes e desvanece ao primeiro sinal de definição. Borboleta de azul celeste tingido, saltita por impulsos, pousa por vontade própria e morre quando capturada. Emoldurada perde instantaneamente o brilho e deixa no coleccionador não mais do que uma memória falsificada, um substituto artificial de tudo quanto poderia ter proporcionado se tivesse sido apreciada por aquilo que estava naturalmente disposta a dar. Esta é a natureza das coisas de valor. Só o inominável em nós sabe valorizá-las. O mais difícil é aceitar esta ordem singular do mundo, deixar o rio seguir o seu curso sem interferir, espremer o sumo e bebê-lo deliciado sem pensar em como replicar a sensação. Ao querer aprisionar tais bençãos subjugamo-las, destruímo-las.

Nuno

16.6.12

Debaixo de chuva

Sexta-feira, oito da manhã e tudo pronto. Saímos de casa – custou-me especialmente a acordar porque na noite anterior estive num jantar de trabalho e deitei-me tarde. Dirigimo-nos a pé para escola. Vamos deixar os meninos. Chove mas não está vento. Eu e a Lindinha levamos os respectivos chapéus de chuva. O dela é de fadas – muito mais giro que o meu. Os rapazes levam apenas os seus casacos, cabeça descoberta e expressão pronta de que é só água e que não são torrões de açucar para se desfazerem nela. Vamos a pares, conversando.

Chegamos à escola. O Di dá a cabeça para que lhe dê um beijo e segue conversando com quem lhe cruza o caminho. Desaparece na escola.

Entro na outra porta da escola com a Quiducha. O trânsito e ritmo do costume, os ˝bom dia, como está?˝ habituais. Depois do beijo ela fica, satisfeita, e deixando-me a sensação de perfeito domínio.

Saio da escola. O Nuno sorri provocando um irlandês sobre a derrota de futebol da sua seleção na noite anterior. Continua a chover. Continuamos a pé, agora na direcção do meu trabalho.

Sob a chuva e sempre a caminho falamos de planos, de sonhos, de hipóteses. Hesitamos, contrapomos, concordamos. Vamos, ficamos e seguimos sem decisões.

Não interessa onde, nem para onde. Valem estes momentos. Juntos, sob a chuva, a fazer o nosso caminho.

Oito e quarenta e cinco, chego à porta do trabalho. O Grandalhão segue caminho, encharcado. Enfrento o dia com coragem, porque estes momentos me enchem a vida.

Patrícia

Di - cinturão vermelho com faixa verde


Esta fase do Di foi atribulada porque perdeu a mochila onde guardava o fato de lidership e a sua faixa. Mas acabou tudo por correr bem e também o Campeão passou nos exames (tinha conseguido todos requisitos logo no primeiro dia de exame) e ganhou hoje a sua faixa verde.



O nosso Campeão!

Patrícia

Kiki - cinturão amarelo com faixa vermelha

Semana de exames de Kung Fu. Seguindo os 3 pilares (disciplina, respeito, concentração) a Kiki lá vai seguindo o seu trilho (e o lema da escola ˝a black belt is a white belt that never quits˝) e, merecedoramente, ganhou a faixa vermelha no seu cinturão amarelo.



A nossa Kungfuseira estava contente.

Patrícia

14.6.12

deriva sociológica

Ouvi falar de um mundo no qual os pais assumem por inteiro o seu estatuto de geração dominante e remetem os filhos para uma posição secundária. Consta que ali a educação - e a escola em particular - é vista como um privilégio concedido pela sociedade aos seus membros mais novos. A lógica societária, de cariz marcadamente economicista, é simples e consiste em trocar produção presente - aquilo que as crianças poderiam (e que em tempos costumavam) gerar com o seu trabalho - pelo produto de altíssimo valor acrescentado que entregam enquanto adultos com formação. A diferença de produtividade é de tal forma assombrosa que permite compensar largamente o investimento feito no sistema educativo e as perdas decorrentes da ausência de rendimento durante os anos de escolaridade.

No tal universo paralelo, a sociedade e todos quantos existiam antes da criança aparecer são prioritários. Cabe aos novatos perceber as circunstâncias em que se encontram e conquistar o seu lugar no mundo. Para que isso seja possível, têm não só que respeitar os mais velhos e aprender com eles mas também trabalhar arduamente para justificar a aposta feita em si ao invés do próximo. Os miúdos - parte não consultada no processo pela reconhecida imaturidade para gerir o volume de informação disponível, filtrar as inúmeras opções que se lhes apresentam e tomar decisões com alcance de longo prazo - são encaminhados pela envolvente contextual para a dedicação ao estudo com a perspectiva de entrar no mercado de trabalho com qualificações que lhes permitam perpetuar o negócio familiar ou assegurar uma profissão com relevo na vida em sociedade.

Nada disto é a meu ver um recuo no tempo ou uma regressão na escala evolutiva. Esta sociedade dedica absoluto respeito ao imenso potencial do jovem e protecção incondicional à sua vulnerabilidade. Em paralelo existe contudo a percepção que a criança não é um produto acabado. É antes um adulto em formação, com uma compreensão incompleta e até difusa do mundo que a rodeia. Entregar-lhe a chave do seu futuro é meio caminho andado para um adulto confuso e desajustado. O fundamento para a realização pessoal está no sentido de pertença e utilidade, não na satisfação compulsiva de impulsos e vontades. É precisamente neste ponto que reside a principal responsabilidade dos pais enquanto educadores - ao apontar um caminho delimitam as fronteiras e protegem os filhos da desorientação.

Comparo este modelo com o vigente no nosso mundo dito desenvolvido, cada vez mais orientado para a secundarização do adulto em relação à criança ou adolescente. Obcecados com a juventude, receosos da redundância enquanto equivalente cultural da morte, petrificados pela inevitabilidade do afastamento dos filhos, abstemo-nos do papel de força motriz da sociedade e da família e depositamos nas mãos dos pequenos a esmagadora responsabilidade pelo seu próprio destino. Doutorados nas mais avançadas teorias pedagógicas, democratizadas nos media por psicólogos com talento ímpar para a comunicação, procuramos sacar à força o id das criancinhas, para que explorem desde tenra idade as suas paixões mais profundas e consigam com isso desenhar um futuro pleno de preenchimento.

- O que queres ser quando fores grande?

- Bailarina, cantora, jogador de futebol...

Em vez dos condescendentes sorriso e festa na cabeça, clássicos da infância e referências ancestrais da resposta dos adultos a manifestações de interesse por parte dos mais pequenos, reagimos solícitos.

- Então vamos inscrever-te numas aulinhas de música. Queres?

Encolhem os ombros e deixam-se arrastar, pensando com isso agradar aos pais que tanto empenho aparentam pôr em mais aquela actividade. Ah, como lhes apetecia ficar sossegados em casa ou no parque a brincar descontraidamente com a areia.

Cientes da importância da condescendência, respondemos então a baboseiras e dislates com tolerância e comedimento, poupando os nossos mais-que-tudo à temida palmada ou ao profiláctico ralhete. A felicidade dos meninos enquanto imperativo categórico pois da sua depende a nossa. A violência física e psicológica estigmatizada ao ponto da caricatura. Já não chega propiciarmos-lhes comida, tecto, protecção e educação. Hoje os pais têm que garantir também todo o resto que antes era deixado à iniciativa do próprio - integração social, experiências gratificantes e enriquecedoras, competências extra-curriculares e toda uma panóplia de elementos alegadamente essenciais ao crescimento equilibrado das frágeis criaturas.

A responsabilidade do sucesso dos pequenos na vida passou por inteiro para as mãos dos pais. Se para isso o adulto tiver que se anular enquanto indivíduo, assim seja.

Nuno

12.6.12

a crise dos trinta e tais

`Papá, já sei contar até mais de mil em português. Queres ver? Um, dois, três...`, conta a kiki sentada a meu lado no sofá da sala. Imerso entre as almofadas e absorto na leitura de uma notícia aleatória de um qualquer jornal digital, endireito-me sobressaltado quando a ouço correr os trintas - trinta e um, trinta e dois, trinta e três... - e martelar com leviandade o penoso número em que se cifra a minha idade actual. Se ela sequer o disse não posso garantir mas posso jurar que o ouvi com clareza. Com o choque deixei sem querer escorregar o portátil, até este se estatelar de ecrã para baixo nas pranchas do soalho, soltando em jeito de recriminação um queixume seco de plástico abandonado.

- Filha, já podes saltar de dez em dez, não vale a pena contar todas as unidades. Aliás, o pai sabe que tu sabes, não podes contar baixinho na tua cabeça?

Anui sem perceber a razão do pedido. Há-de pensar que é o ruído que me incomoda. Nunca poderia imaginar o paralelismo subconsciente que desenhei entre a sua contagem inocente e a implacável sucessão de anos que me teletransportou até hoje. Trinta e cinco, repito em surdina enquanto deixo a crua materialidade dos dígitos assentar e agitar o fundo poeirento da minha história.

- Pai, quantos dias são trinta e cinco anos? E quantas horas?

Não pode ser isso tudo. Não tenho como justificar tantos dias, tantas horas. Nem tenho história para esse tempo todo. Os tempos mortos não deviam contar, só os grandes acontecimentos. Quando era novo olhava para os trintões e rotulava-os de velhos. Nem conseguia imaginar-me com tal idade e muitas vezes pensei que estaria morto antes disso. Aqui estou contudo, trintão maduro em velocidade de cruzeiro em direcção aos quarenta.

- Pai, como era o mundo antigamente? Sabes, quando tu eras pequeno?

Depois de uns segundos de hesitação apanho o computador do chão, baixo a tampa sem verificar o estado em que se encontra e ergo-me num pulo. Um par de segundos à espera da tontura mas esta não vem, como se o sangue tivesse percebido a minha urgência e acelerado o regresso ao cérebro, como se o corpo refutasse o insulto e quisesse provar que continua fresco e pronto para a guerra. "O pior de ser velho é lembrar-se de quando se era novo", diz a personagem do filme. Benditos os filmes que nos fazem pensar, que nos sugam as referências morais e acabam numa indefinição de bem ou mal.

- Meninos, estão prontos para sair? Chega de perder o dia com preguiças.

Isto nada significa para eles. A percepção do tempo na infância é única. As crianças gerem o tempo como milionários às compras num centro comercial: há muito para gastar, o desperdício é trivial. Só quem percebe que é finito e o sente encurtar se preocupa em aplicá-lo sabiamente.
Por vezes imagino-me velho. Sem idade concreta - a contagem relevante é a dos anos que nos restam, não a dos que já passaram - mas no fim dos meus dias. E tenho infinita pena de partir, de deixar de cá estar, de saber que o mundo continua sem mim. Pouco importa quanto ou como vivi, vou sempre ambicionar mais. Gostava de acreditar numa vida para além da morte, numa continuação qualquer.

Saímos e passamos o dia em tarefas. Ao final da tarde regressamos a casa e podemos enfim gozar descomplexadamente a companhia uns dos outros. Sou um jovem e tenho ainda tudo pela frente.

Nuno

11.6.12

nós 4

Virá o dia em que os nossos filhos terão crescido, seguido as suas vidas, em que tomarão decisões sem nos consultar e olharão para nós como nada mais do que uma segurança emocional de recurso. Em total domínio do ambiente que os rodeia, julgar-nos-ão afastados da realidade, inadaptados às novas tendências, desinteressados das correntes emergentes. Desprovidos de utilidade prática para a sua integração entre pares, incapazes de compreender os desafios com que se deparam, seremos os actores secundários das suas vidas. Guardarão porventura uma ideia difusa do que lhes ensinámos e de tudo o que fizemos por eles enquanto cresciam. Talvez tenham até consciência da nossa contribuição para muito daquilo em que se tornaram. Mas vão certamente baralhar os factos, interpretar abusivamente esparsas memórias, confundir realidade com imaginação e julgar-nos à luz do que serão no futuro, sem tentar sequer perceber a forma de pensar na altura dos acontecimentos ou o contexto em que esses se produziram.

O dia virá em que os melhores tempos passaram. Olhando para trás, sonharemos acordados com a vida que vivemos. Agarrados às recordações, lamentaremos não ter gozado mais intensamente cada abrir e fechar de olhos, cada respiração, cada batida do coração. Recriminar-nos-emos então pela falta de paciência, pela ambição pessoal, por cada segundo desperdiçado a agradar a terceiros. Perguntar-nos-emos como fomos tão cegos, como deixámos o tempo fugir-nos entre os dedos, como foi possível não nos termos apercebido que deitávamos fora o melhor da vida. Aí dirá uma voz, interna ou exógena, que não foi bem assim, que tínhamos que trabalhar, que muito do que fizemos foi sobretudo por eles, que eles acabariam por nos agradecer um dia. E abrindo os olhos veremos meninos em forma de adultos, com os mesmos gestos, as mesmas vozes, os mesmos olhares que testemunhámos ao longo de décadas que se esgotaram num sopro.

Mas estes meninos adultos já não precisam de nós, a sua atitude é bem diferente daquela que nos habituámos a esperar. Já não sobram sequer as lutas e as patadas da adolescência, que tantos cabelos nos esbranquiçaram. Quem diria que viríamos a sentir falta desses tempos. Agora resta uma convivência cordial, com tentativas nem sempre bem sucedidas de respeito mútuo. Os tais agradecimentos ficam mudos, às vezes por vergonha mas em grande parte por falta de reconhecimento. Não que os quiséssemos - mais não foi do que a nossa obrigação - mas a intenção seria apreciada. Como pode um pai assistir calado aos erros de um filho, por mais crescido que este seja. Até estou disposto a aceitar que não percebo tudo o que se passa nos das de hoje mas já corri mundo, cometi os mesmos erros, vi passar gerações que desajeitadamente os repetiram, tenho algo a dizer. Porque não me ouvem?

Esse tempo está longe, repito baixinho para me tranquilizar. Por enquanto eles estão aqui ao pé de nós, são pequenos e dependentes, precisam da nossa ajuda e dos nossos conselhos. Por que raio os incentivo então a crescer? Que masoquismo é este que me impele a mandá-los para a frente e a ensiná-los a desenrascarem-se sem nós? Se prevejo este cenário que me assusta, devia guardá-los junto de mim, resolvendo todos os seus pequenos problemas, participando nas suas actividades, tentando ser da idade deles. Mas não o faço pois tal não me é permitido. Essa não é a função dos pais. As crianças precisam de pais que assumam a sua idade e se comportem como tal. Para o resto têm os amigos, os pares. Em termos holísticos é abusivo alegar que a vida é cruel, que temos pouco tempo - nunca vivemos tanto, nunca a infância foi tão prolongada, nunca os pais conseguiram dedicar tanta atenção aos filhos. Mas suponho que seja sempre insuficiente, que queiramos sempre mais.

Revendo a nossa história conjunta invade-me uma enorme realização. Acredito que vivi a fundo a maior parte dos momentos e que acompanhei de perto o seu crescimento. Estou convencido que mais não poderia ter feito, que qualquer acrescento teria sido excessivo e degenerador. Uma criança não precisa de pais sufocantes ou sufocados. Para poder dar-lhes o amor, a educação, o sentido de direcção e a estrutura que lhes são devidos, os pais têm que sentir-se pessoalmente realizados, guardar sonhos e ambições individuais e conservar uma relação saudável enquanto casal. O equilíbrio é delicado e exige lucidez, sobretudo nos momentos de maior tensão ou agitação. Longe de tudo e de todos, consegue-se assegurar maior unidade familiar mas nem sempre é possível encontrar espaço para a afirmação individual.

Tudo começou há 12 anos, numa manhã de setembro no final do século passado, num deslumbrante palácio lisboeta convertido em centro corporativo. A conversa tensa desse dia deixou marcas ilegíveis mas duradouras. O remoínho teve origem num encontro improvável mas inevitável e a partir daí tomou conta das nossas vidas. Temos o privilégio de uma vida plena, com algumas preocupações mas muitas mais alegrias. Tudo o que começa acabará um dia mas tenho esperança que o futuro não seja assim como o imagino, que esta imagem que pintei seja apenas uma interpretação desajustada daquilo que vejo de fora, que aquilo que se constrói ao longo da vida em conjunto tenha um impacto no longo prazo. Seja como for, concluo que não me resta alternativa. Não vou tentar metamorfosear-me ou parar o tempo - em ambos os casos estaria condenado ao fracasso.

Nuno

10.6.12

devia ter filmado

A seguir ao jantar a nossa kiki aceitou a minha sugestão e trouxe o quadro para a sala para treinar a escrita em português. Que delícia, a forma como pega na difícil caneta de ponta grossa e a desliza pelo quadro uniformemente, do princípio ao fim da palavra, unindo as letras com pernas e braços retorcidos como ensinam na escola, enquanto entoa sílabas e sons complicados a meio tom para decidir que opção seguir na escolha das letras de sons ambíguos, tão comuns na nossa estimada língua. A perfeição na forma só teve par na correcção vocabular, até em palavras de razoável nível de dificuldade. Para quem ainda nem começou a aprendizagem da leitura na escola o feito é fenomenal. Já domina por completo a lógica de construção da palavra a partir dos sons, admitindo por defeito - reflexo da aprendizagem em várias línguas em simultâneo - que a pronúncia é enganadora e pode encapotar todo o género de ortografia.

Ao vê-la debater-se entendo melhor os estrangeiros que comentam que soamos russos. Atrapalha-se frequentemente com os aa que parecem ee, os ss que também podem ser cc, os hh a seguir a nn e ll, e tantas outras peculiaridades que confundem todos aqueles que se aventuram pela primeira vez pelos meandros do português - e muitos que julgam dominar a língua. A título de curiosidade, o nosso insaciável Diogo questionou-me recentemente sobre a aplicação do à e do há, uma das principais fontes de erro na escrita. Tentei apresentar-lhe uma maneira relativamente simples de se lembrar mas duvido que tenha conseguido reter.

Andava ela ocupada com tais afazeres e o campeão aplicava-se a declamar uma poesia que a professora mandou como trabalho para casa. Ontem pediu-me para deixar para hoje e, quando lhe perguntei de quanto tempo pensava precisar, respondeu com segurança que 15 minutos bastariam. Sem razão para desconfiar das suas capacidades a este nível, acedi mas registei. Sem grande surpresa, foi ainda mais longe e memorizou as 20 linhas num terço do tempo a que se tinha proposto. Disse-a com hesitações e umas quantas falhas de menor importância mas disse-a por inteiro. Por dentro enchi-me de orgulho pelo brilhantismo mas achei que devia aproveitar para lhe deixar mais uma pérola de sabedoria parental. Confrontei-o com a falta de esforço colocado no trabalho e com os erros decorrentes. Perguntei-lhe qual era o resultado que esperava se a dissesse assim na aula e qual seria se tivesse aplicado mais algum tempo no estudo. Acabou por concordar comigo, voltou para o quarto durante mais uns minutos e regressou de bom humor, assegurando-me que estava bem aprendida. Desta vez disse-a sem falhas ou hesitações. Dei-lhe parabéns entusiasmados e pedi-lhe novamente para se lembrar do valor da dedicação e da concentração.

Nuno

Miaou


Não tão bem, mas as vezes que se faz este dueto cá em casa.

Patrícia

cromos

Empilhados sobre a cama, esquecidos no chão, atafulhados no bolso exterior da mochila, encarquilhados nos bolsos do casaco, os cromos de futebol dominam o imaginário dos rapazes nas vésperas das grandes competições. Colados à pressa, na ânsia expectante de encontrar um tesouro no próximo pacote, escapam da mão e fixam-se nas paredes desenhadas em forma de moldura numa desarmonia estética em que uns compensam à direita o desvio esquerdino dos vizinhos e o todo ganha uma dimensão muito mais viva, muito mais humana, do que jamais seria possível numa página de figurinhas alinhadas.

Primeiro a compra, arrancada a ferro aos pais, que finjem não perceber o encanto daquelas minúsculas fotografias autocolantes de jogadores de futebol e vendem cara a renúncia às moedas soltas e esquecidas no fundo dos bolsos. Astutos, aproveitam-se do desespero dos garotos para lhes arrancar promessas de bom comportamento, esforços sobre-humanos nas escola e outras juras solenes que noutras alturas tão difíceis são de conquistar. Já eles, os mais pequenos, cruzam os dedos atrás das costas e desbobinam intenções honrosas, confortados pela confiança na boa natureza dos adultos, que certamente já terão esquecido estas combinações quando for altura de cumprir.

Com o investimento inicial a caderneta ganha peso e densidade. À medida que as caras plastificadas ocupam disciplinamente os seus devidos lugares, os pequenotes incham de orgulho por possuirem os seus heróis gladiadores e vibram na antecipação da inveja indisfarçada dos colegas quando chegar o momento das trocas. Fazem listas, contam espingardas, apuram conquistas, angustiam-se perante a exigência da tarefa e concluem precisar de mais apoios parentais - conhecidos na gíria por paitrocínios - para terem quaisquer hipóteses de sucesso. Embalados pela esperança de novas vitórias mas assombrados pelos fantasmas das rondas anteriores de negociação, desenham estratégias inovativas de vendas, empenham poupanças pessoais, descontam créditos futuros e desfazem-se em benévolas intenções perante familiares e conhecidos.

Pouco a pouco acumulam-se os repetidos, fonte de frustração ao abrir as carteirinhas mas que mais tarde tão úteis se revelam para a troca com outros coleccionadores. Em pouco tempo a pequena amostra de duplicados transforma-se numa montanha de autocolantes que forma dupla com a lista de exemplares em falta e acompanha em permanência o coleccionador. Tudo tem que estar permanentemente preparado para a troca, o verdadeiro momento-chave das colecções de cromos. Sem regras expressas ou pré-definidas, o processo tem contudo uma linearidade temporal fascinante. As colecções mudam, as gerações sucedem-se, as geografias variam, mas a essência da troca mantém-se inalterada. Pequenas idiossincracias à parte, os coleccionadores reconhecem de forma instintiva a lógica da troca de cromos e adoptam inconscientemente os mesmos comportamentos ancestrais que conduziram inúmeras gerações anteriores a triunfos gloriosos na arte do coleccionismo.

À medida que se aproxima a competição, aumenta a pressão para completar a colecção. Em simultâneo, não obstante a compra compulsiva de novas carteirinhas e os resultados brilhantes nas trocas, a dificuldade para obter os cromos em falta cresce exponencialmente. Em mercados de trocas mais sofisticados, os cromos têm cotação individual e os exemplares mais raros valem múltiplos - por vezes dezenas - dos comuns. Mesmo nos ambientes mais simples, em que por princípio prevalece a amizade e todas as unidades têm valor idêntico, a competição pelos mais raros é feroz e suscita com frequência dilacerantes conflitos de interesse. Todos querem ser o primeiro a acabar, ninguém quer ficar para trás na corrida ou deixar passar a competição com a caderneta incompleta. Imagine-se o pesadelo de assistir a um jogo sem poder consultar toda a informação sobre os jogadores em campo.

Consciente dos efeitos potencialmente devastadores de tal privação, a Panini - empresa responsável por estas colecções - inventou um mecanismo que permite aos coleccionadores encomendar os cromos que faltarem para completar a caderneta, com quantidade limitada a um máximo de 50. Para além desta, há outra escapatória bem conveniente para o coleccionador desesperado: a aquisição em feiras, lojas especializadas ou bancas de rua de cromos individuais, escolhidos a dedo a troco de um pequeno valor acrescentado.

Quando eu era pequeno o meu pai só me levava a estas bancas quando me faltava uma quantidade muito pequena de cromos para acabar - não consigo recordar-me ao certo mas tenho ideia de serem números inferiores a 10. Durante semanas trazia-me carteirinhas de surpresa, sem avisar e sem me permitir criar expectativas. Depois deixava-me trabalhar nas trocas até achar que eu já merecia acabar. Aí sim, bem no fim, quando já ninguém na escola estava a trocar pois todos tinham acabado havia muito, íamos juntos comprar os que faltavam. Adorava esses momentos. Ficava tão orgulhoso da minha caderneta que tanto me tinha custado a completar. Comparado com os meus colegas, que compravam caixas inteiras de carteirinhas de uma assentada, ficava sempre para trás. Mas nunca me importei. Sempre achei que a minha era a maneira certa de fazer uma colecção.

Isto tudo a propósito da caderneta do Diogo, amplamente patrocinada pelos avós. Para além das incontáveis carteirinhas que o menino recebeu por correio e que lhe permitiram progredir na colecção com grande rapidez, na semana passada foi brindado com um pacote que continha nada menos que 178 cromos seleccionados da sua lista. Graças a este impulso extra, de uma assentada completou várias equipas, ficou com apenas 38 unidades em falta e ganhou uma série de repetidos fantásticos com os quais poderá facilmente atrair os restantes através das trocas. Está radiante, como é fácil de imaginar. O pai confessa que se divertiu a ajudá-lo na colagem mas guarda sentimentos mistos - que colecção é esta em que o sucesso chegou por magia?

Nuno

8.6.12

desconhecido

Eis-me aqui de novo, com esta tralha toda para enfiar na mala. Conheço de cor a lista por ordem de prioridade: artigos de higiene, roupa para as reuniões e depois o resto, variável em função do que se espera que aconteça. O mais incrível é que a realidade corresponde de facto às expectativas e pouco se encontra de inesperado nestas pseudoaventuras. Vez após vez tudo se repete, sem que o tempo ou o espaço pareçam ter qualquer capacidade de intervenção.

Concentro-me na tarefa em mãos. Pasta de dentes, botões de punho, gravatas com significado... O pânico de esquecer alguma coisa essencial e dar por mim no dia da reunião em condições menos do que perfeitas. O segredo do sucesso nestas missões é a preparação. Todos os detalhes contam, a primeira impressão é eterna e grande parte da ilusão está na apresentação. Pelo menos foi isso que sempre me ensinaram. Diria antes pregaram, como parte dessa cínica lavagem cerebral a que se sujeitam todos quantos se entregam ingenuamente ao mundo corporativo.

Fecho a mala a cadeado, guardo na mochila os artigos essenciais para o caso de extravio de bagagem - pequenas manhas de quem desperdiça demasiado tempo em aviões e aeroportos - e chamo o taxi. Tudo muito eficiente, optimizado por inúmeros binómios tentativa-erro. Se me aplicar consigo começar a fazer a mala uma hora antes da partida e ainda chegar à porta de embarque sem pressas. Só não consigo deixar de questionar o valor de tais competências para a minha afirmação enquanto indivíduo. Tirem-me estas rotinas, obriguem-me a estar quieto, e deixo de fazer sentido.

O movimento importa só por si. O destino, por mais pequeno e imediato que seja, dá-nos propósito e preenche ilusoriamente a nossa necessidade de significado. Por isso estrebuchamos freneticamente - viajamos compulsivamente só para descobrir que regressamos iguais, esgotamos dias preciosos em compras inúteis, esperamos ansiosamente por eventos aleatórios e resignamo-nos a relações fictícias em redes sociais - só para não sentir o peso do aqui e agora. O rato na gaiola corre satisfeito na roda enquanto o gato observa tranquilo.

Saio do taxi e entro no aeroporto directo à portada dos passageiros frequentes. Não olho para ninguém, economizo palavras e gestos, procuro passar incólume pelo abjecto processo de controlo. Graças aos truques e artimanhas do costume estou do outro lado em 5 minutos. O lounge perdeu exclusividade e não passa agora de um incómodo disfarçado de requinte. Refugio-me no canto de um café perto da porta de embarque e espero pela última chamada - era o que faltava ver-me preso na manga de acesso entre dezenas de outros passageiros só porque o pessoal do aeroporto quer tudo arrumadinho para poder tratar do próximo vôo.

No princípio incomodava-me a perspectiva de alguém se sentar no meu lugar, de não ter espaço de arrumação para a mochila ou de chamarem o meu nome. Entretanto fui perdendo o pudor - se ficar para o fim não espero na fila, tenho mais hipóteses de ser promovido para a executiva, os assentos estão nominalmente reservados e as hospedeiras arranjam sempre espaço para a bagagem de mão. Agora deixei de perceber as pessoas que fazem fila para entrar, como se com isso conseguissem partir mais depressa ou arranjar um lugar melhor.

Aterrado e estacionado o avião, observo agora a segunda parte do puzzle: por que razão se levantam os passageiros com tanta pressa no final de um vôo? Consigo perceber que queiram esticar as pernas ou aliviar a tensão depois de tanto tempo fechados num túnel volante. Só não entendo o acotovelamento para tirar as malas e para se dirigir para a saída, sobretudo para quem ainda tem que esperar um bom tempo pela bagagem de porão - isto quando não há controlo de passaporte.

No aeroporto do destino entrego-me pacificamente à sorte. Cada um é diferente do anterior, as regras são dinâmicas e os locais têm especial prazer em atormentar estrangeiros com manias. Por isso procuro incluir no meu planeamento de viagem tempo suficiente para procedimentos de entrada e de recolha de bagagens. Uma vez chegado, adopto um low profile, respondo a quaisquer perguntas com tranquilidade e afasto-me com veemência e sem contemplações de todas as propostas que não entendo. Antes passar por nabo do que cair nas mãos de vigaristas.

Chegado ao hotel, a rotina inverte-se: tirar da mala, engavetar, pendurar. Não sou de forma alguma maníaco das arrumações mas dita a experiência que os 3 minutos que isso me custa à chegada poupam-me muitos mais de preparação para a reunião. Quanto ao resto da estada, apenas as guerras do costume sem surpresas de maior. No final completo o ciclo com o regresso, no qual tudo se passa na exacta medida inversa da vinda.

Até ao próximo vôo, num perpétuo movimento de partidas para lugar nenhum.

Nuno

7.6.12

conversão

Ícone máximo do movimento ecológico global e referência absoluta no estabelecimento de políticas energéticas sustentáveis, a bicicleta é também um dos traços mais marcantes da vida em sociedade aqui na Holanda. Se a colossal quantidade de veículos não motorizados em circulação impressiona à primeira vista, a verdadeira causa de espanto a longo prazo é a atitude colectiva em relação à mesma.

Apesar de já contar alguns anos disto, ainda deixo escapar um sorriso à vista de um novato incauto surpreendido por uma reprimenda furiosa ao tomar a pista das bicicletas por passeio. Ainda me lembro de me sentir igualmente perdido nos primeiros tempos, habituado à simples distinção dual entre carros e o resto e quase atropelado em diversas ocasiões por ciclistas indignados com a minha falta de atenção. Hoje as tais faixas reservadas aparecem-me instantaneamente com a nitidez de uma pista de descolagem de um aeroporto internacional iluminada à noite.

Os números só por si são estonteantes. Fiz uma pesquisa rápida na internet e estimativas actuais apontam para algo como 18 milhões de bicicletas na Holanda, ou seja uma média de 1,1 por pessoa. Ainda que todos - incluindo bebés, idosos, doentes, etc - efectivamente se deslocassem em bicicleta, sobrariam 2 milhões sem uso. Isto não surpreende minimamente quem as vê por aí atiradas, em estado avançado de degradação, encostadas nos passeios a bloquear o caminho de transeuntes, penduradas de pontes pelas correntes ou mergulhadas na água dos canais.

Estou convencido que o sistema, bem concebido na sua origem, se perverteu pela prática. Dito assim soa redundante, quase chavão, pois tal é a natureza de todos os sistemas. O que pretendia dizer é que um bem puro, inquestionável - um meio de transporte rápido, limpo e saudável - tem uma faceta negativa menos visível decorrente da mais elementar natureza humana. Como muitos antes de mim já argumentaram, o ser humano não sabe conviver com a ordem, precisa do caos para entender o mundo em redor.

Estou convencido que as cidades holandesas já se debatem com um problema a este nível. Por mais que os trabalhadores das câmaras municipais abatam veículos que evidenciam falta de manutenção prolongada, o ritmo da chegada de unidades novas ao mercado é estarrecedor e mina qualquer tentativa de planeamento urbano. Promoveram as bicicletas como alternativa ao carro, pergunto-me se não está na altura de refrear os ânimos, impondo regras mais apertadas à circulação - os atropelos às mais elementares regras de trânsito são contínuos - e multando o estacionamento indevido.

Se algo não for feito os passeios tornar-se-ão rapidamente vias alargadas de bicicletas, privando os pedestres de espaço e as ruas comerciais e habitacionais de uma fonte essencial de vida. Percebo que para os holandeses, nascidos e criados ao ritmo das pedaladas, caminhar seja um meio arcaico de deslocação - noto a incompreensão nas suas vozes quando comento que fui a pé de casa para o trabalho num percurso de meia hora - mas a meu ver, ruas sem pedestres são tristonhas e ocas.

De qualquer forma, eu ciclista convertido me confesso. Demorei uns anos a admitir mas não há como escapar à conveniência.

Nuno

6.6.12

prego à beira-rio

5 da tarde de sexta-feira e vagueio sem planos concretos para o anoitecer. Fiquei de emprestar um par de mãos a um amigo empreendedor lá mais para a noite. Gelados caseiros à sombra dos pastéis de belém é uma ideia ousada e por defeito ou deficiência apoio incondicionalmente a ousadia. Não hesitei portanto em disponibilizar-me para o que precisasse. Hoje cabe-me acartar caixas de gelados entre o camião e a câmara frigorífica, quem sabe o que amanhã me reserva.

Sem queixas contudo que isto de ter amigos é um luxo. Este em particular é esquivo e alheado mas tem o dom de aparecer em momentos críticos, sempre carregado com doses extra de energia e confiança. É uma daquelas pessoas com brilho natural. Vezes sem conta o vi mergulhar de cabeça para desafios arrepiantes e voltar à superfície com tons de veraneante em dia de céu azul. A verdade não é essa e bem sei o que lhe pesa mas tal é a marca dos guerreiros.

Mas divago. Ia falar sobre as minhas deambulações enquanto espero pelo serviço das 9. Eis-me em belém de t-shirt numa tarde de céu encoberto e vento cortante. Seduz-me a tentação do regresso a casa para o conforto do sofá mas a cabeça está quente e o rio chama por mim. Quando morava aqui nunca lhe dediquei especial atenção, sempre fui homem de mar e fugia para junto dele assim que podia. Agora faz-me falta o rio, talvez por simbolizar tudo aquilo que deixei para trás.

Enquanto atravesso a estrada paro por instantes no cimo da ponte para contemplar o movimento incessante do trânsito e imaginar-me reintegrado na dinâmica diária da cidade. Passei a ser um turista em casa própria e debato-me com a incapacidade de sentir a cidade como minha. Ao fim de uns minutos desisto e completo a travessia, desabando desconsolado sobre um dos bancos plantados na margem do rio para amparar peregrinos metropolitanos.

Aí me deixo ficar por longos momentos, extasiado perante tal cenário de indiferente melancolia. Assaltam-me então memórias antigas, de tempos em que a cidade era minha sem que eu o soubesse. O mais difícil nestas aventuras pelo passado é controlar o fluxo, fechar a torneira. Uma torrente de emoções toma conta de mim e transporta-me para um mundo distante mas tão parecido com este. Nele só eu sou diferente, só eu mudei.

Forço-me a esticar as pernas e fazer força. Tenho que andar. Mas o banco prende-me e puxa-me de volta para o lugar. Eu não pertenço mais aqui, digo-lhe. Ignora-me e continua. Que mais há-de fazer se tal é o seu propósito. O mesmo se aplica a mim então. Com um encontrão súbito levanto-me e afasto-me sem olhar para trás. Dirijo-me à ponte lá ao longe. Quero vê-la de perto e sentir a sua força.

Quando lá chego tudo faz mais sentido. O zumbido dos carros a passar pelo tabuleiro metálico, os comboios no tabuleiro inferior, o cristo-rei ao fundo. Consigo perceber novamente o conjunto da cidade, aos poucos volto a pensar como lisboeta. Assustado, retomo o passo em sentido contrário e acelero de regresso a belém. Não posso dar-me ao luxo de pensar nestas coisas agora, preciso de comer antes do embate da noite.

Quero um prego no prato e uma imperial. Desejos de emigrante habituado à força a sabores pobres e desinspirados. Mas não vou tolerar um ambiente sofisticado. Fujo portanto das ruas principais e procuro um beco qualquer onde se aloje uma tasca discreta. Não é difícil, esta é uma zona clássica onde o simples continua a ter lugar. Sento-me ao balcão e digo ao que venho.

5 minutos depois, o empregado coloca, de forma discreta e eficiente, a refeição à minha frente. Exactamente como a imaginei, sem que houvesse necessidade de explicar ou sequer trocar palavras excessivas com fosse quem fosse. No final paguei por tudo o que em Amesterdão pagaria apenas por cerveja e café. A beleza de estar em casa.

Nuno

5.6.12

Lx 3d

Por extenso, 3 dias em Lisboa para recuperar forças, ganhar inspiração para os tempos que se avizinham e tratar de negócios.

Como não podia deixar de ser, planeei esta pequena escapadela com suficiente antecipação e cuidado, negociando datas e duração com toda a família para evitar incómodos ou melindres. Isto porque não sou obviamente o único a apreciar estes saltinhos a casa e ninguém gosta de ficar para trás. Mas devo admitir que tudo se passou com muito mais tranquilidade do que esperava à partida e ninguém objectou ou interferiu.

Feitas as contas e após alguns ajustamentos forçados pelo calendário de reuniões, acertei as datas para chegar na quarta-feira à noite e regressar sábado à tarde. Tudo somado, 2 dias úteis completos para uso misto e meio dia de fim-de-semana para tempo dedicado aos pais. Dita a experiência que esta é a fórmula mágica pois satisfaz sem enjoar visitantes e visitados.

Lisboa lá estava, nos seus sítio e disposição costumeiros. A minha cidade tem o condão de envelhecer  tranquila e indiferente às vaidades vãs de nativos e turistas, como uma árvore velha que assiste enternecida às idas e vindas de gerações de esquilos e ri em silêncio quando casais de namorados escrevem promessas eternas de amor na casca.

Assim é comigo, que vou e ao voltar encontro sempre à minha espera os mesmos cheiros, sons, cores, sabores. Esta sensação de conforto primordial é inacessível a todos aqueles que vivem em casa pois nasce justamente do desconforto que a saudade, no seu jeito de camisa de forças emocional, provoca em quem se atreve a afastar-se do ninho.

Há muito me pergunto se tem mais valor o prazer doseado do dia-a-dia ou o gozo intenso espicaçado pela ausência. Ao fim destes 6 anos continuo a não ter resposta concludente para esta pergunta mas talvez a comparação seja simplesmente impossível pois seria preciso isolar estas sensações de todas as outras e medir níveis de (in)satisfação, (in)felicidade e afins. Seja como for, a diferença intuída é notória e massiva.

Porque tudo segue imutável neste ambiente onde cresci, o país e os seus actores convertem-se involuntariamente em referência absoluta daquilo que fui e permitem-me observar mudanças próprias. Sem que consiga precisar o teor ou o valor destas mudanças, sinto que deixei muito de mim para trás quando saí e que preenchi esses espaços vazios com influências forasteiras. Acima de tudo reparo que cresci muito e que a minha compreensão do mundo se alterou irreversivelmente.

Depois de 3 dias a tentar imaginar-me de regresso, continuo sem perceber se perdi de vez a ligação à terra onde nasci.

Nuno