29.7.18

Oxford



Depois das duas duas semanas de experiência de estágio em Petten e na Nike, partiu o Champs para mais uma aventura, desta vez em Oxford.



A ideia surgiu em conversa com os pais de uma colega da natação da Makuks. Mudaram-se o ano passado para Amesterdão, vindos de São Petersburgo, e tem, para além da sua hábil filhota (estrela da natação sincronizada tendo em vista a escola russa que tem), um rapaz mais velho que foi para Moscovo estudar. Ao falarmos desta fase de decisão sobre que curso escolher e de preparação para a Universidade, falaram-nos nestes cursos de Verão que ajudam nesse percurso.



Isto foi um sábado e domingo tínhamos o Champs interessado e inscrito para um curso de Leadership e International Relations. A nossa ideia era que o Champs tivesse oportunidade de exposição a outro tipo de cursos, e ainda mais exposição internacional. Na realidade, achamos que a escola europeia aqui na Holanda, sendo dedicada a pesquisa cientifica da UE, esta muito virada para as ciências e por isso tende a empurrar o Champs para essas matérias. A escolha será, naturalmente sua. Física, que é o que ele diz querer fazer, parece-me um curso fantástico de base. Resta no entanto saber se é apenas o conteúdo que interessa ou, também, o estilo de vida que proporciona. E assim, este curso em Oxford, surgiu como uma oportunidade para lhe dar mais informação.



O curso exigia preparativos – leituras e material (incluindo um computador) – aos quais o Champs não dedicou muito tempo, enredado que estava nos exames e nos estágios. Preparámos as coisas como pudémos, no meio da nossa vida tresloucada. E chegou o domingo de partida e lá foi ele. Foi para London Heathrow sozinho e no aeroporto teria de ir para outro terminal para encontrar a sua tribo. Assim fez.



Não ligou muito nas duas semanas que esteve em Oxford. E não tive ainda tempo com ele para ouvir as suas histórias. Se é que um dia as quererá contar. Sei apenas que gostou muito das duas semanas e que nos últimos dias me escreveu uma mensagem a perguntar se não podia ficar mais duas semanas. Dissemos que não, já tinha as férias e bilhete organizado para Lisboa e também seria tempo de férias e tempo de estar com os avós, tios e primos em Portugal.  



A cerimónia de graduação foi na sala Nelson Mandela, da Said Business School em Oxford.





Neste predio ficou o Champs. 


A sessao de formatura decorreu como devia e deixá-mo-lo mais uma dia para o irmos buscar na manha seguinte. Ainda espreitamos um bocadinho Oxford mas a meio da manha ligou-nos a dizer que os amigos tinham partido e era melhor partir tambem. Resolvemos que seria melhor mudar de ambiente e fomos para Londres.

 


Do pouco que vi de Oxford, gostei. Disse a Makuks que pode ir estudar para lá (como ela antecipou nos seus planos de Universidade) e que a irei visitar com regularidade. No café que encontrámos havia inumeras actividades, palestras, cursos para fazer - certamente não se fica aborrecido ali.
 

Tínhamos resolvido ir buscá-lo e aproveitar para estar 2 dias em Londres, que e uma das cidades favoritas da Makuks. E assim fizemos  (com o Grandalhão, corajoso, a conduzir ao contrário), apesar de Londres estar infernal nesse fim de semana porque havia uma visita do Trump, o final do mundial 2018 e a final de Wimbledon. 
 Já em Londres:

 Passeámo-nos por Londres, mais revisitando sítios onde estivemos outras vezes e gozando do calor que fazia sobre Londres porque o anticiclone dos Açores resolveu andar trocado.



 

E regressámos a Amesterdão. 


Patrícia


7.7.18

Kiks

Kiku,
Sempre que entro no teu quarto encontro um quadro que me surpreende e fascina. Por detrás da porta, que fechas em busca da privacidade que tantas vezes te vês obrigada a sacrificar por causa da posição do teu quarto junto à sala, há mistérios que só a tua infinita criatividade poderia desencantar. Muitas vezes me perguntas porque sorrio, estás convencida que gozo contigo como faço com tanta frequência e em relação a quase tudo e todos. A resposta é bem mais simples, as ocupações a que te dedicas deixam-me perplexo e sou incapaz de enquadrá-las no contexto em que nos reconheço. Procuro referências durante breves instantes, tento construir um modelo mental que explique como chegaste do ponto em que te deixei até àquele em que te encontro, até me lembrar que sempre foi assim. És desde que nasceste uma espécie de extraterrestre para mim, massa viva de poeira espacial, jóia rara que me foi confiada num surto de sorte extrema sem preparação ou aviso prévio.
Já tínhamos o rapaz, eu queria uma menina. Parecida com a mãe de preferência, não conseguia imaginar traços meus que quisesse passar a uma rapariga. Num dos muitos exames de rotina que fizemos no CUF das Descobertas, a médica confirmou que eras tu que aí vinhas e reagi com total naturalidade, como se cada peça do universo encaixasse naquele preciso instante. Não me deixaram entrar na sala para ver o nascimento, esperei com o resto da família lá fora até me chamarem para te conhecer. Eras obviamente tu, nada que enganar, já te conhecia antes de te ver ao vivo. Perfeição absoluta, fragilidade intimidante, uma bonequinha de porcelana da cabeça aos pés. Tantas vezes te falo dos teus pés, obras de arte minúsculas esculpidas por artesão de eleição, que segurava com reverência nas palmas das mãos profundamente consciente que havia de lembrar-me de cada um daqueles momentos para o resto da vida.
A mãe engravidou de ti quando eu estava desempregado. Achámos que tudo havia de se resolver eventualmente e não queríamos que a diferença de idades entre ti e o teu irmão fosse demasiado grande para poderem ser amigos e ter gostos comuns enquanto crescessem. A realidade falou mais alto e passei toda a gravidez sem trabalho tirando um infeliz episódio de curta duração. Tivemos que tomar a dolorosa decisão de eu partir para a Holanda em trabalho 3 meses depois do teu nascimento. No primeiro mês vocês foram todos comigo, ficámos num hotel no centro de Amersfoort durante a maior vaga de calor de que há memória recente na Holanda. Ainda me lembro do quarto no sótão, 36⁰C e uma humidade sufocante, o ar condicionado que só podíamos ligar intermitentemente para não te constipar, à noite abríamos as janelas mas não circulava ar e mal conseguíamos dormir. Eu tinha a escapatória do trabalho durante o dia, no escritório estava fresco, vocês e a mãe passaram ali 3 semanas naquele sufoco. A mãe quase endoideceu, durante o dia tinha que encontrar actividades para entreter o Diogo com 4 anitos, à noite só queria sair para espairecer e eu estava estoirado. Ainda assim, antes isso que estarmos separados como acabou por acontecer. Duvido que te lembres de alguma coisa desses dias alucinados.
Uns breves 6 meses depois mudámos de vez para a Holanda. Tinhas 9 meses, toda a vida como a conheces decorreu neste país que tão bem nos acolheu. A querida Narcisa veio connosco e no começo vivia em nossa casa durante a semana. Tinha amigas na comunidade cabo-verdiana de Roterdão que a acolhiam ao fim-de-semana. Tomou conta de ti e de nós todos até tudo ires para o infantário. Depois foi viver para Roterdão e ainda ia lá a casa umas vezes por semana para limpar, até que eventualmente deixou de ir por completo.
A tua vivência no infantário era bem diferente daquilo a que estávamos habituados. Foi preciso algum ajustamento da nossa parte para entender a mentalidade holandesa. Ainda temos fotos de ti mergulhada em chocolate líquido a pintar o tampo de uma mesa com as mãos, e recordação da conversa surreal em que nos encorajaram a levar-te com varicela pois assim os outros meninos também apanhavam na idade certa. Para nós tudo aquilo foi um choque, para ti o conjunto de todas estas influências fez de ti quem és.
Desde muito pequena percebemos que havia algo de particular na tua forma de ver o mundo e interagir com os outros. Como se visses e soubesses mais. Entendias as conversas de adultos e as dinâmicas sociais com uma maturidade inquietante. De olhar profundo e sábio, parecias uma alma velha encapsulada num arranjo celular novo. Na escola dominavas com facilidade terceira e quarta línguas, enquanto os teus colegas se debatiam com a segunda. Desde cedo te habituaste a ensinar os teus colegas depois de completares os teus trabalhos, impondo a regra e esquadro os comportamentos da turma inteira. Uma das tuas professoras observou o mesmo e, depois de muitas conversas e reflexão, decidiu aconselhar a tua passagem para um nível mais avançado de escolharidade. Precisaste apenas de algumas semanas para te integrar na turma, recuperar a matéria do ano que saltaste e voltar para o topo da turma.
A tua motivação é intrínseca e nasce de uma curiosidade insaciável, de um prazer intelectual em descobrir o que está por baixo da superfície do que entendemos por realidade. Apela-te a metafísica e os temas que casualmente discutimos quando passeamos juntos deixariam muitos adultos desconfortáveis e perdidos. Aprendi a reconhecer as deixas que antecipam as perguntas e a esperar deliciado que partilhes o assunto que em cada momento te ocupa o pensamento e elabores o raciocínio. Gostas da dialéctica, discutes pelo puro prazer de trocar ideias e raramente consegues resistir à tentação de extremar posições para provocar. Quando entro nas minhas divagações ou tento explicar-te algo, suspeito sempre que já conheces a resposta à pergunta que colocaste ou que me deixas continuar para não me magoar. Há muito deixei de pensar em ti em termos de idade, és um ser intemporal e o meu papel é orientar-te enquanto souber e acolher-te sempre que precisares.
Notas e reconhecimentos parecem surtir pouco efeito, apesar de surgirem com frequência. Pouca ou nenhuma atenção dedicas ao trabalhos para casa ou preparações para testes. Por vezes desconfio que geres deliberadamente o esforço para não sobressair demasiado pois gostas do conforto da normalidade e sabes que se desses o máximo ficarias rapidamente aborrecida ou terias que saltar outra vez de turma. Nas raríssimas vezes que falo sobre este tema, há quem julgue que o faço por grotesco orgulho parental ou espírito competitivo, sem entender que só te mostras por inteiro quando estás em segurança e livre de julgamento. Não te preocupes, é o nosso segredo e ninguém te vai empurrar para além do que estiveres disposta a dar. Tens tempo para crescer ao ritmo que mais te convier e haverá sempre um espacinho para ti junto de nós. Sinto que vai ser súbito, que repentinamente vais resolver todas as incógnitas, e que uma mudança radical está para breve.
Há dois anos descobriste a natação sincronizada e parece ter preenchido um vazio que nem sabias que existia. Até aí saltitavas entre desportos e actividades, poisando delicadamente em cada uma até a saturação prevalecer ao fim de breves meses e nos deixares de novo a braços com a tarefa de descobrir algo que te aguçasse o interesse para complementar a descoberta intelectual com a variante física, a nosso ver tão essencial para o desenvolvimento. Assim que tiveste o primeiro contacto com a piscina e a equipa ficaste convencida. Faz todo o sentido pois combina tudo aquilo que te atrai: música, dança, água, competição, espírito de grupo. A combinação de todas essas facetas tem um efeito peculiar, técnica e força colossais adocicadas por arte e elegância, por vezes engana o olho destreinado e desilude a assistência em busca de emoção. Costumava chamar-se ballet aquático, nome bem mais adequado ao que representa. Quantas vezes já me aconteceu estar anestesiado de aborrecimento depois de uma longa sequência de números fracos e passar quase às lágrimas com a beleza inenarrável de uma solista com sentido musical ou de uma equipa perfeitamente sincronizada.
Havia muito que tínhamos consciência da tua inclinação natural para este desporto. Lembro-me de ter pesquisado durante semanas até encontrar o De Dolfijn, clube que até hoje te acolhe apesar de alguns episódios convulsivos e situações desagradáveis. É inegável que a vida de pais de atleta de competição tem momentos complicados. Horas infindáveis que passamos nas tribunas desconfortáveis e sobreaquecidas de piscinas distribuídas por todo o país, inúmeros fins-de-semana inteiros sacrificados para assistir a curtíssimas actuações tuas, jantar atrasado duas a três vezes por semana e o efeito colateral no sono e no rendimento profissional, a ginástica contorcionista na marcação de férias para garantir que não faltas a uma sequer das incontáveis competições sob pena de penalização ou repreensão da treinadora. Por vezes custa e apetece confrontar o clube, dar um murro na mesa e dizer umas verdades, impôr uma relação mais equilibrada entre a actividade e o resto da vida...até que nos lembramos que fazemos tudo isso por ti e vale todas as penas que o mundo nos puser pela frente.
Desde muito tenra idade nos asseguraste que sabias o que querias fazer a nível profissional quando fosses crescida. Médica cirurgiã. Sem dúvidas ou hesitações. Como pais aceitámos a contundência da afirmação como imagem de marca e entendemo-la como declaração de intenção que com a idade haverias de moldar em função dos interesses oscilantes de cada fase da vida. A verdade é que os anos passaram e pouco ou nada mudou na tua perspectiva, apenas confirmaste a tendência e refinaste o objectivo com base em nova informação que recolheste por ti própria. Com 12 anitos não só sabes que queres ser cirurgiã como já definiste a área de especialização no sistema digestivo. Para mim que até hoje continuo sem saber qual a minha vocação, tanta precisão e precocidade são estonteantes e provam mais uma vez que tenho tanto a aprender contigo como a ensinar-te.
Posso garantir-te que isso não me assusta. Se tenho um propósito na vida, se tal coisa existe e sequer faz sentido, é amar esta família e dar-vos condições para atingirem o vosso potencial. Ser teu pai é um privilégio que nunca esqueço ou desmereço.
Nuno

Champs

Filhão,
Fazes-me rir convulsivamente. Pouca gente consegue isso, sobretudo com tão pouco esforço. Contigo basta lembrar-me das parvoíces que congeminas pelo prazer puro da palhaçada. És a estátua sensual no meio da sala, o body builder do six pack, o especialista em inglês falado com sotaque francês, a sirene humana que tira a tua mãe do sério. Provocas a tua irmã quando tem a boca cheia de água para a fazer rebentar a rir e molhar a toalha do jantar. Gozas com tudo e todos sem piedade, humor ácido quase cruel embora irreflectido, sem verdadeira intenção de magoar. Esticas a corda até partir e te ofenderes com a reacção. Tens 15 anos, quem nessa idade pensa nos outros.
Tufão Diogo, assim te chamamos tantas vezes. Por onde quer que passes deixas um rasto de destruição inconfundível. Arrastas no teu caminho uma quantidade de objectos, entre os quais bolas, livros, aparelhos electrónicos, fios eléctricos, comida semi-consumida ou por encetar, onde aterram ficam até alguém te forçar a arrumar sob veemente protesto. Cascas de fruta na casa-de-banho, bem acompanhadas por inúmeras peças de roupa torcidas e amontoadas durante dias nos rebordos da banheira, sofá e mesa de apoio em serviço de prateleira, bolas espalhadas pela casa num trilho evidenciado pelas marcas nas paredes brancas, ténis de râguebi elameados no chão da sala apesar dos insistentes pedidos para os tirares assim que entras em casa. Qualquer aparelho electrónico que te passe pelas mãos é devolvido com bateria descarregada e uma camada viscosa de gordura ressequida e açúcar caramelizado.
Também te chamamos outros nomes. Colosso, assombro, campeão, apenas alguns dos muitos que espelham a tua nobreza de carácter e a espantosa facilidade com que assimilas novos conceitos e dominas diferentes competências. Quando eras minorquita, bastava ouvires uma música ou história uma vez para a decorares. Desde aí e ao longo de toda a tua vida tens mantido uma regularidade monstruosa de absorção insaciável de tudo o que te rodeia, sobrevoando com ligeireza as múltiplas facetas da realidade e pousando ao de leve em cada uma, até que a brisa te empurre ou atraia sem remorso para a próxima. Física e matemática intercalam afinadamente com rugby e boxe, numa alternância de agilidades ao alcance apenas daqueles unicórnios de mente definitivamente aberta ao mundo como lhes é apresentado.
Assim que nasceste anunciaste ao que vinhas e viraste a nossa vida do avesso. Como todos os casais ingénuos que se preparam para a primeira aventura no mundo da paterinade, tínhamos toda uma série de teorias educativas e certezas sobre a melhor forma de educar uma criança. Lemos livros, falámos com especialistas, ouvimos conselhos de pessoas mais experientes, embora convencidos que por intuição ou sabedoria auto-adquirida já tínhamos as respostas todas e quando chegasses saberíamos naturalmente o que fazer. Olhando agora para trás, é fácil admitir que não podíamos estar mais enganados. Ouvíamos falar de bebés tranquilos, que dormiam logo desde o princípio 5 ou 6 horas de seguida, acordavam apenas para comer ou mudar a fralda e voltavam a adormercer, pais tão enlevados pela experiência que mal podiam esperar para avançar para o segundo filho. Bastou um par de dias para percebermos que o nosso caso seria diferente.
Dormíamos no máximo 4 horas por noite, espaçadas e interrompidas por sessões de choro de 2 horas sem intervalo ou explicação. Cólicas, fome, pesadelos, ansiedade, mimo, frio, calor, todas as razões pareciam igualmente boas sem que qualquer uma se destacasse ou convencesse. Quantas horas passámos de pé junto ao teu berço, a segurar a chupeta e dar-te palmaditas na fralda, a passear pela casa contigo ao colo, em suave ou acelerado baloiçar na cadeira de vime, a cantar ou contar histórias, e tu sempre a chorar. Ao fim de umas semanas começaram as dores constantes na coluna, no pescoço, nos braços, pois já na altura tinhas constituição de atleta. Depois de 3-4 meses os efeitos da ausência de sono eram notórios na disposição geral, no desempenho profissional, na estabilidade emocional. Isso e a decisão de parar de fumar quando tinhas 5 meses valeram-me ataques de pânico e o que hoje entendo ter sido um burnout que ficou por identificar e que me conduziu a largar um emprego para-a-vida-como-muitos-me-diziam que tinha na Brisa.
Conto isto tudo por precisão histórica e por genuíno gosto de reviver estes momentos na minha mente. Memórias, escolhas e gostos compõem a personalidade e contextualizam a nossa percepção da realidade. Esta história é a nossa, com tantos altos e baixos, sucessos modestos e vergonhosas derrotas, infinitas conversas e cheiros e sons, um mar translúcido e profundo de afectos sinceros, acima de tudo uma harmonia eterna alicerçada na união inegociável entre os teus pais que te contaminou e que até hoje se infiltra no próprio ar que todos respiramos. Trago estas recordações à luz do dia porque me orgulho de cada uma delas, porque sei que com cada uma a minha vida se agigantou e eu signifiquei tanto mais. Tu meu filho és um tesouro para mim e assim te tratei desde que te vi.
Esta parte que se segue estou certo que ouviste mil vezes ou mais. Nasceste por cesariana, eras grande demais para o método natural e estavas mal colocado no útero. Esperámos o dia inteiro no hospital sem sucesso para que se desse a dilatação. Ao final da tarde a médica finalmente cedeu e levou-nos para a sala de operações. Sim, fomos ambos para a sala pois eu estive lá o tempo todo de mão dada com a mãe. Não conseguia ver os detalhes, eles sabiamente bloquearam-me a vista para evitar acidentes, mas ainda assim tive direito a assistir a algumas cenas escabrosas para mentes pouco habituadas e impressionáveis. Lembro-me em particular do momento em que a médica se dirigiu a ti, levando-me a acreditar que já estarias fora do corpo da mãe e a levantar a cabeça para não perder tal ocasião, percebendo instantaneamente que me tinha precipitado quando a vi enfiar as duas mãos algures no ventre e puxar por ti com visível esforço físico. Admito que foi impressionante, o grafismo cru das imagens tão reais a passar ali mesmo à minha frente, gestos mecanizados enquanto mexiam nas entranhas da mãe, sons da nossa faceta interior literal que só fisiologistas se habituam a conhecer, cheiros biológicos e químicos numa mistura quase agoniante para o nariz virgem, penso contudo que não atraiçôo a verdade do acontecimento se disser que aguentei firme para assistir a um milagre digno de qualquer religião.
Saíste e por um instante parecia impossível. Um ser novo, criado a partir de matéria tão antiga como o universo e genes meus, a alquimia da vida a decorrer ao alcance da minha mão. Coberto de sangue, autêntico, um sopro de realidade primordial nas minhas narinas,. Eras perfeito, eras meu, naquele preciso segundo tão meu, um rapagão com tudo no sítio, depois de meses de preocupação ali estavas concreto e corpóreo e inteiro, a precisar de um pai e só aí entendi que nada sabia, que era apenas um asno com manias e tu, vindo do nada e incorporado assim como por magia, terias tanto para me ensinar. Levaram-te para a pesagem, limparam-te com eficiência e cuidado, vestiram-te e levaram-te para o berçário. Lá fora esperavam os avós, saí e celebrámos em família o primeiro nascimento da nova geração. Daí a pouco a mãe saía do recobro para o quarto e tu vieste ter connosco. Aí se instalou na minha mente o pânico, aligeirado pelo alívio de estar no hospital e haver gente que percebia do assunto, eras tão pequeno como podias resistir ao mundo, eu como havia de te proteger se nada sabia, o que faria se não estivesses bem.
Aos poucos a calma regressou, acostumei-me à ideia de ir descobrindo à medida, de aprender contigo. Enraízada estava contudo a determinação de ser um super pai, daqueles que as histórias acompanham sem cuidado para com subtilezas. Não ia poupar esforços para te educar, eras um adulto em formação e assim estava resolvido a tratar-te desde o princípio. A infância é um estado e a minha principal função enquanto pai é preparar-te para a idade adulta, para saberes tomar decisões e cuidar de ti quando te sentires pronto ou eu já não tiver essa capacidade. Essa minha (e nossa) abordagem criou alguma tensão entre a família mais próxima, em grande parte porque aos vinte e tais não soubemos ou quisemos fazer concessões. A tua mãe e eu temos ambos veias radicais, manifestas em estirpes diferentes mas complementares, e alimentamo-nos mutuamente nessa tendência. Que se lixe o mundo dizíamos, cada um que faça o que quiser e não se intrometa. À minha maneira, sem compromissos ou negociações, a lembrar a canção dos Xutos. Se alguma vez te questionaste, já ficas a saber de onde vem essa tua mania de remar contra a corrente por pura diversão.
Que iludidos andávamos nesse teu princípio de vida. Julgávamo-nos independentes e autónomos, adultos maduros senhores da sua vida. A verdade é que a vida nos ía fácil. Embora cientes da felicidade em que estávamos mergulhados, não nos apercebíamos que a nossa existência em tudo dependia da boa vontade e apoio de uma quantidade de gente que nos aturava e perdoava os excessos. Só acordámos para isso em 2007, quando mudámos para a Holanda e toda a rede de apoio evaporou num sopro. A partir daí éramos só nós, tínhamos que ser tudo para ti e para a tua irmã enquanto lutávamos para ganhar posição no trabalho e nos integrar numa sociedade estranha e indiferente às necessidades individuais. Quantas vezes lamentei a via que tomámos e desejei poder voltar atrás, desfazer decisões erradas minhas que nos levaram a não ter outra opção que não fosse partir.
Não sei se te lembras das infinitas vezes que os teus avós iam visitar-te quando ainda morávamos em Lisboa, quase todos os dias a seguir à escola. Primeiro no infantário em Telheiras, já não me lembro do nome, e mais tarde na escolita em Santos junto ao parlamento cujo nome também me escapa. A paciência infinita com que vinham no final dos seus dias de afazeres para passar uma horinha a brincar contigo antes da hora do banho. Sobretudo as duas avós, babadas com o primeiro neto da família. A bó, a bó, dizias tu continuamente. Sempre foste fanático por bolas de todos os tipos e feitios. E lá estávamos todos em casa, no terraço em Benfica, no jardim no Magoito, nos parques em Lisboa, na praia no Algarve, onde quer que houvesse um espacito e um minuto, a jogar à bola contigo. Tiveste azar no futebol, saíste a mim e os pés às vezes atrapalham na tradução de jogadas geniais imaginadas em movimentos efectivos. Descobriste entretanto a baliza, onde és considerado uma estrela entre os colegas da escola, e onde também eu brilhei por exclusão de partes quando tinha a tua idade.
Acrescentaste ao futebol o rugby, que nós sempre imaginámos ser o desporto ideal para ti. Desde minorca adoravas correr, atirar e apanhar bolas. Vezes sem conta comentámos entre nós que havias de gostar de rugby. Tínhamos no entanto uma imagem algo negativa do desporto, baseada no que conhecíamos de colegas de escola e das transmissões televisivas. Que era só pancadaria, brutos em campo e fora dele, não queríamos que te tornasses um daqueles rapazes que tínhamos conhecido em tempos e aspirávamos a mais elevadas aplicações para a tua refinada inteligência. Actividade física claro enquanto passatempo, mente sã em corpo são, a tal dualidade entre espírito e físico a que a nossa imaginação nos remete. Nada mais que isso contudo, intelectuais que nos achamos jamais poderiam deixar os filhos abandonar a via do raciocínio e do método.
Muitos anos mais tarde cedemos à inevitabilidade e levámos-te ao clube de rugby de Amesterdão para uma prova. Foi amor à primeira vista e a todos nos foi finalmente dada a entender a essência de um desporto nobre com valores incondicionais. Ao contrário do futebol, que das origens humildes com bolas de trapos e braços abertos ao mais ingénuo entusiasta se metamorfoseou numa linha de montagem de ídolos com pés de barro para entretenimento boçal das massas e enriquecimento indevido de artistas de outras manhas, o rugby conseguiu conservar uma certa autenticidade por via de princípios rígidos e inegociáveis transmitidos culturalmente pelo próprios actores do jogo. Simulações, fitas, dramas, faltas de respeito, são não só irredutivelmente punidos por quem de direito mas sobretudo corrigidos no seio dos próprios jogadores. Como é costume dizer, um jogo de arruaceiros praticado por cavalheiros.
Passados 4 anos, lá continuas apesar das lesões mais ou menos graves que te foi causando. Esta última no joelho tem sido difícil de aceitar e resolver, até porque surgiu do nada e nenhum dos médicos foi durante meses capaz de entender a génese do problema. Com isso perdeste uma época inteira, para grande pena tua pois teria sido a tua oportunidade de consagração enquanto fly half de uma equipa com espírito ganhador e solidário. Desejo com todas as minhas forças que o joelho te permita voltar a praticar esta actividade que tanta satisfação te traz e que em Setembro consigas integrar-te por inteiro na nova equipa em Amstelveen.  
15 anos quase 16 já lá vão, estás à beira da tal idade adulta para a qual sempre procurámos preparar-te. És um ser magnífico e eu um admirador assumido. Por vezes confundes-me, tenho dificuldade em entender as tuas escolhas. Deixar os filhos crescer é o maior desafio enquanto pai. Respeitar as tuas escolhas, aceitar que não tenho as respostas todas e que a tua vida passou a ser demasiado grande para caber na minha. Tens ideias bem concretas do que queres e confio integralmente em ti. Estou convicto que te passámos valores essenciais, que vais ser uma pessoa de bem. À tua maneira. Mais não posso fazer a não ser estar lá para ti quando precisares.
Tenho um enorme orgulho em ser teu pai.
Nuno

6.7.18

Estágio parte 2

Pois esta parte cabe-me a mim...preguiça mas nem tanto! 😄 E já uso emojis e tudo.

O nosso cromito lá acedeu, depois de muita retórica de ambas as partes, a fazer metade do seu estágio num ambiente corporativo. Não se vê a trabalhar numa empresa, a ser escravo em benefício de terceiros como tanto gosta de dizer para nos espicaçar em alusão à nossa própria dedicação ao enriquecimento alheio, mas anuíu na expectativa de uma experiência mais rica e variada.

Entre as múltiplas opções que de mão beijada lhe foram facultadas, a da Nike paitrocinada pareceu-lhe a mais apelativa e assim ficou estabelecido que passaria uma semana nas nossas instalações para ter contacto com o mundo empresarial e ganhar uma perspectiva diferente da realidade laboral. Dito isto, importa esclarecer que o nosso rapaz nada contribuíu para o efeito: esperou tranquilo que o pai desocupado tratasse do assunto e lhe comunicasse onde e quando devia apresentar-se para deliciar a multidão com o seu brilhantismo.

Depois de muita reflexão, cheguei à conclusão que as melhores oportunidades de aprendizagem para um rapaz de 15 anos sem quebrar protocolos ou comprometer confidencialidade seriam trabalho duro na loja para os empregados e na equipa que organiza os eventos. Infelizmente na loja criaram obstáculos por questões de segurança e responsabilidade civil. Como os eventos fazem parte do meu âmbito, a equipa não teve outra hipótese de que não fosse aceder ao pedido e arranjou actividade para o nosso campeão. Ainda por cima numa das semanas mais frenéticas do ano, em que preparávamos um evento para 2000 pessoas com apresentação dos resultados anuais ali mesmo na sede.

Praticamente não o vi durante toda a semana. Viajávamos juntos de manhã e ao final do dia, momentos que eu aproveitava para lhe transmitir informação e contexto sobre a Nike e sobre a nossa função, de resto desaparecia e passava o dia integrado em grupos de todos os tipos e feitios, juntava-se a todas e quaisquer actividades desportivas que lhe passassem pela vista, e algures nos intervalos da chuva fazia um trabalhito aqui e ali para contribuir conforme alguém lhe pedisse.

Não creio que tenha tido muitas hipóteses de aprender algo novo a nível intelectual ou de executar grandes desígnios, até porque a equipa obviamente não estava confortável para lhe confiar tarefas sensíveis sem a devida preparação, mas estou convencido que a nível social foi imensamente enriquecedor e que ficou com uma imagem amadurecida do que é e do que pode ser uma empresa.

Estou curioso para saber que memórias guardará e como pensará naquela semana quando reflectir sobre o que viveu. Espero também que tenha servido para pelo menos fazê-lo pensar sobre o futuro de forma mais informada e objectiva, sem se deixar manipular por escola, professores, pais, amigos, etc.

Nuno

4.7.18

Makuks - resultados finais 2017/2018

Sempre brutal a nossa Makuks - media de 9,18 e a melhor aluna da turma neste ano.


Como diz o Grandalhao, os nossos "self raising" children so nos dao motivos de orgulho.

Muito babada,

Mama











Campeao - resultados finais 2017/2018

BUM! Media de 8,9 nos exames que fez agora e 8,7 de media final. Uma mega mente, o meu filhão.

Super Orgulhosa!

Mama