27.4.15

Koningsdag

Koningsdag (ou dia do rei) é provavelmente o feriado mais comemorado do anon a Holanda. Amesterdão torna-se um imenso mercado aberto, com tudo vestido sobretudo cor-de-laranja (apesar de tambem se ver azul e branco).

Antigamente era celebrado no dia 30 de Abril mas desde o coroamento do novo rei, Willem-Alexander, em 2014, que passou para dia 27 de Abril.

Estamos na Holanda desde 2007. Nos primeiros dois anos que cá passámos, não achámos grande graça aos festejos: multidões de gente na rua, a vender sobretudo lixo, grandes bebedeiras, canais totalmente atolados de barcos sendo impossível movimentar-se. E assim sendo, fugíamos sempre, fazendo coincidir a pausa de Primavera para ir algures apanhar um pouco de sol. Este ano, por vários motivos, não foi assim e ficámos.

O Diogo, que teve de férias há duas semanas atrás, tinha resolvido nessa altura separar alguns brinquedos que já não queria e estava decidido a ir vender. Não sugerimos ou sequer encorajámos – foi mesmo vontade dele. A Kaki, contagiada pelo mano, resolveu fazer o mesmo. Pensei que seria sol de pouca dura, sobretudo porque no dia anterior nos pediram para ficar com um dos amigos do Diogo porque os pais tiveram de viajar. Enganei-me.

Às 7 e pouco (de um feriado), já a casa mexia. Segundo as regras da rua, a venda começaria pelas 8 e seria do lado par de casas. Cerca das 8.15 os meninos começaram a montar o seu estaminé, e lá estiveram, a vender as suas coisas, até depois das 2 da tarde. Sem pausas, sem tédio, focados no seu propósito.


Eles montaram a banca, eles decidiram os preços dos seus produtos, fizeram promoções e descontos, negociaram os precos, e venderam. Não venderam tudo mas venderam muito, e bem.


Estão contentes com a experiência. Querem repetir para o ano, ou ainda antes, algures num dos muitos mercados que há por esta cidade e pais fora. O Di tem, muito claramente, gosto pela coisa.

Eu também achei a experiência gira e interessante. Para eles. E porque foi um dia do rei bem positivo, contrariando as expectativas que tinhamos com base nas experiências passadas.


Patrícia

Prova de cavalos

Há um ano atrás, a nossa Makukia iniciou-se na equitação. Tem mantido o gosto pela actividade e passou para o nivel seguinte. Faltava, no entanto, a prova.
Começou por se preparar : o traje obrigatório era branco e preto. Camisa, calcas e uma espécie de gravata brancas (as luvas também seriam brancas mas era facultativo e ela prefere mãos nuas) e blazer e botas pretos. Chicote e capacete (como sempre para as aulas ) e cabelo preso com uma rede.  
As professoras encorajam que os meninos experimentem sempre, e tanto quanto possível, cavalos diferentes, e a Makukia, assim o faz. Para a prova tinha de escolher algum. Foi pela Gypsy.
Depois de a preparar, ainda a levou para a arena do lado para a aquecer. Quando foi chamada para a arena principal, para a prova.

Que foi assim :

Depois da prova, teve de levar a Gypsy para o estábulo e prepará-la para a deixar. Incluindo tirar as trancinhas que fizeram na bicheza.

E, finalmente, os resultados. A Makukia passou com 213 pontos.

E nós todos, mais uma vez, muito orgulhosos da nossa linda, nobre, elegante, graciosa e destemida cavaleira.


Patrícia 

Juntos, somos uma famila

Feito pela Kaki e uma amiga no Beatrix Park.

Patricia

26.4.15

Diogo - resultados do terceiro trimestre

Li, algures, que ter conhecimentos é diferente de aprender. Para aprender é preciso processar activamente a informação recebida, reflectir e criticar o que se assimila para que, mais tarde, se consiga aplicar na prática o conhecimento.

Diferentes escolas pelo mundo praticam diferentes métodos de ensino. Diferentes estratégias.
Sempre pedi a colegas para fazerem análises críticas do seu trabalho e dos processos a ele inerentes. Lembro-me de ficar surpresa quando em resposta a este pedido um colega, asiático, me disse que lhe lançava um desafio ao qual não sabia como responder porque não tinha sido ensinado a interpretar, a fazer uma análise critica (e construtiva). « Podes contar comigo para seguir instruções, para responder a um grande volume de trabalho mas, se queres que faça uma análise crítica, vais ter de me ensinar a fazer », disse-me. Convenci-me, nesse momento, que aprender era uma das grandes vantagens do sistema de ensino ocidental e que essa vai ser, no curto/médio prazo, uma das vantagens competitivas que teremos em relação, sobretudo, aos chineses.

Esta reflexão porque recebemos o relatório escolar de Primavera do Diogão. Desde sempre, sólida e constantemente mantendo bons resultados. Quero crer que no trilho da estratégia aprender. Espero que assimile, digira e que consiga preservar a sua singularidade, deixando-se formatar apenas o quanto baste.
Coração de mãe é sempre parcial, claro. Mal faria se não fosse. E eu, sempre ultra orgulhosa do meu menino. Simplesmente por quem é, não pelas notas e comentários. Apesar de estes me alegrarem e ajudarem a reforçar que a minha ideia é, comprovada e objectivamente, não só bondade de olhos de mãe.

Patrícia      

18.4.15

Lanche

Uma tarde bem passada com amigos holandeses e seus filhotes. 

A Catarina foi fantástica com a menina de ano e meio que a seguia por todo o lado muito contente, enquanto o Diogo brincava com o menino, de quase quatro anos. Bom ver tudo integrado e á vontade, não interessa a idade, língua ou nacionalidade. 



  Ah – e a primeira vez que fizemos pão-de-ló, receita da amiga Cristina, que fez sucesso com os da casa e visitas – obrigada Cristina!

Patricia

Equitação

Ao fim de um ano, a professora de equitação de cavalos da nossa Makukia disse-lhe que ela passou para o nível seguinte na sua equitação.
A galope!

Patrícia

O homem (2)

Atraso costumeiro na chamada para o embarque, motivos e explicações obscuros que mais não fazem do que agravar a angústia natural dos passageiros. Horas a fio condensado num rolo metálico voador encharcado em material explosivo, conceito aterrador que só por deliberada negligência pessoal se consegue aceitar. O truque é como sempre focar-se no destino, trocar o presente pela ilusão de um futuro potencialmente melhor, sacrificar existência efectiva por promessas de vida. O pote de ouro ao fundo do arco-íris com que se sonha em criança e do qual nunca se desiste. 

Deixa os outros passageiros embarcar para não ter que esperar na fila. Fila indiana, inspirada na prática tribal de caminhar nas passadas da pessoa da frente para não denunciar a presença. Uma anulação pessoal consciente quando a sobrevivência fala mais alto do que os desejos do id. Cambada de carneiros, até parece que vão chegar mais depressa, os lugares estão marcados e o piloto só arranca quando estivermos todos lá dentro. Uma repulsa profunda invariavelmente o invade perante aglomerados de gente e a perspectiva de partilhar espaços apertados com corpos estranhos. Somos demasiados resmunga, um atentado contínuo à proxémia. Não sei porque me sujeito a isto, que raio de vida absurda fui escolher. Vá entrem todos de uma vez, deixem-me chegar a casa. 

Cumprimenta com sinceridade a tripulação pela rispidez distante com que prestam o serviço. Ambiguidade neste ambiente claustrofóbico é receita para o desastre, não pode haver tolerância nesse capítulo. Vêm-lhe então à memória histórias de horror a bordo contadas ou filmadas por quem as viveu, autênticas revoluções ancoradas em minúsculas disputas propagadas pela tensão comprimida, qual big bang emocional cerceado pelas paredes do aparelho ou antes disso por carne e osso vitimizados. O pânico das multidões ou o homem com complexos de superioridade em modo primitivo. Não somos mais do que a soma dos impulsos internos e externos acumulados, convertidos em experiência e reactivos ao ambiente em que nos encontramos em cada momento. Perdemos a razão quando nos apaixonámos por nós próprios e condenámos o mundo à nossa dominância. 

Já vai conhecendo algumas caras entre as hospedeiras, fruto da convivência semanal forçada. Ainda assim recusa a confraternização, enraizado na sua solidão confortável. De alguma forma esta solidão liga-o a casa, mantém-no genuíno e leal e tudo aquilo e todos aqueles cuja existência valoriza. Esta outra realidade, quadro salpicado de arco-íris enlatado em banda sonora de far west oriental, deixa-o indiferente à segunda passagem. A vida, a sua, está lá. Os outros seguiram com as suas vidas e esqueceram-no, outra coisa não seria de esperar, mas também isso é irrelevante. Ficou a sua ligação com o espaço, o cheiro, a luz, um infinito de memórias que lhe alimentam o espírito e o tranquilizam nos piores momentos. Essas recordações são a garantia que permanece intacto e inteiro. Esse ser que foi acompanha-o, qual esquizofrénico retinto, nas andanças por terras perdidas e convivências aleatórias, e abriga-o da superficialidade reinante. 

Boa noite, atira-lhes na primeira língua que lhe ocorre. Onde estou, ah deve ser isso, goedenavond. Muitas vezes enganam-se e tomam-no por um nativo, ou então é automático e também eles não sabem a quantas andam. Num dos seus muitos vôos ouviu às tantas um elemento da tripulação comentar que sentia pena de certos passageiros frequentes que viajam mais do que os próprios profissionais da aviação. Quantas vezes assistiu já a cenas de desorientação total, viajantes de tal forma cauterizados pelo vaivém contínuo que perdem todas as referências e acabam a confiar inteiramente em estranhos para os guiar. Ele próprio já se viu nessa situação vezes sem conta e o mais curioso é que guarda desses episódios as melhores impressões. Há uma pureza gutural nesses instantes, a entrega integral, o regresso à condição primordial. Se algo corre mal o desastre é total, joga-se tudo pela significância, a vida na rede, malabarismo social. 

A paciência que é preciso para aturar estes amadores. Deviam separar os passageiros frequentes do resto, quanto tempo perdido em esperas, entradas e saídas de aviões. Sim claro que a culpa minha admite finalmente, estou aqui porque quero. Talvez não exactamente porque queira, mas certamente por acção própria. Que culpa tem esta maralha, o seu único crime é partilhar o espaço comigo. Atira a mala para o primeiro buraco que encontra e o corpo para o lugar que lhe apontam, na esperança de o deixarem em paz. Em vão, ainda não é desta: ´meneer...´, ´english please...´, ´fasten your belt please´. Afinal foi fácil e indolor, faz o que lhe mandam e vira a cara para a janela. Lá fora a escuridão interrompida apenas pelas luzes do terminal, a azáfama rotineira da chegada e partida de aviões, máquinas de todos os tipos e feitios desenhadas especificamente para a tarefa única a que se destinam, uma quantidade de tipos em fatos reflectores que se cruzam em gestos aperfeiçoados pela repetição incessante, o cheiro intenso a querosene que lhe queima as narinas e lhe revolta o estômago, o ruído dos motores a jacto mantidos em funcionamento para não quebrar o ritmo das preparações. 

Ao longe a cidade, no ar pairam aeronaves à espera da sua vez de aterrar, nas diferentes pistas as filas de aparelhos na expectativa da descolagem. A cada dois minutos dispara-se um para o céu. Só consegue imaginar os controladores aéreos, do alto das suas torres de controlo, a gritarem para o piloto `Shoot!´ como num concurso de tiro. Por vezes consegue espreitar da janelinha do avião e ter a perspectiva do piloto no princípio da pista. Fica fascinado a olhar para o avião anterior a levantar, numa simbiose aparente com o meio ambiente. 

Nuno

13.4.15

Vitória do Campeão

Estou muito contente com esta vitória, querido. Primeiro porque te tinha tentado convencer a não ires (para estares presente na festa da tua mana), mas tu fincaste pé, que tinhas estado no seu verdadeiro aniversário e que esta era só mais uma festa, e que o torneio era importante e, sabias, a tua presença, indispensável. E eu ainda tentei, novamente, mas tu, mais uma vez, mantiveste a tua posição (sim, apoiado pelo papá, mas foi a tua decisão).

Depois porque de manhã, quando te despedias para ir para o jogo e eu fiquei em casa com a mana, me pediste para te dizer que ias ganhar. Lembras-te ? Não sei se porque não estavas confiante (e ainda assim quizeste mostrar a cara) ou só porque sim. E disse-te que ias ganhar, claro. E tu assim o fizeste. Orgulho.  

E ainda porque o pai te foi levar a Delft mas teve de regressar para a dita festa. E tu ficaste, com os teus amigos e companheiros de jogo a manhã inteira e uma parte da tarde. E depois ainda foste para o teu clube para ver um jogo e apoiar os mais velhos porque era assim que a tua boleia no regresso tinha organizado o seu dia. Chegaste a casa ao final da tarde – cansado, sujo, com as mazelas mas com a tua merecida vitória. Que foi muito mais do que a taça – e que espero que acompanhe sempre (em especial nos momentos em que duvidares de ti). Ės enorme.

E agora em imagens.

Yeah!!!!!!!!

Patrícia

12.4.15

Festa(s) aniversário Kaki

Já vem sendo tradição ter, não uma mas várias, comemorações de cada aniversário dos pequenotes. E assim foi, com a celebração do nono aniversário da filhota.

O dia de aniversário da Kaki foi, este ano, no sábado (de um fim de semana prolongado) mas a festa começou antes, e acabou bem depois...

1 – Pijama Party

Tinha-lhe dito para convidar umas amigas para um sleep over para sábado. Mas, em conluio com as mães das meninas (porque tínhamos outros planos para sábado) mudámos o sleep over para quinta feira.

A Kaki tinha convidado 3, mas apenas 2 puderam vir neste dia.  Logo depois da escola apareceram, e ela ficou baralhada e toda contente. Dançaram, brincaram e falaram até bastante tarde.  

No dia seguinte, acordaram cedo e brincaram toda a manhã.

2 – Bruxelas e Paris

No sábado, começou por abrir as embalagens do correio cheias de prendas que haviam chegado há uns dias e enviados pelos avós maternos e paternos. Por volta da hora de almoço, depois do raguebi do Campeão, pusémos, novamente de surpresa, as malas à porta. E fizémo-nos a estrada. Parámos perto de Bruxelas para as melhores batatas fritas do país que as inventou.

Chegámos ao hotel que havíamos reservado em Paris já muito perto da hora de jantar e, para nossa frustração, o hotel estava lotado – trocaram algo com a reserva e não tinham mais espaço para essa noite. Arranjámos outro hotel nas imediações e jantámos no lounge do hotel, tendo o prestável senhor do bar preparado um super cocktail para a Makukia e improvisado um bolo com velas.



No dia seguinte, passeámos tranquilamente por Paris. A ver as loucuras que atraem todos os turistas ao longe (Torre Eifell, Arc du Triomphe, Notredame, Louvre) e aproveitando as pequenas delícias da cidade: um belo pequeno almoço no pain quotidien, uma visita à FNAC da Quatre Temps para a Kaki escolher os livros que quisesse, um belo pastel de nata no Comme à Lisbonne.







Para depois sim, voltarmos ao hotel que tinhamos escolhido inicialmente e onde os meninos poderiam relaxar, ao fim do dia, na piscina. Assim foi.

  No dia seguinte, mais uma vez sem pressas, regressámos a casa.

3 – Festinha na escola

Mas ainda não tinham acabado as celebracões. Na terca-feira, regressando as aulas, a Kaki levou um bolo de chocolate “mal cozido e com mousse” para que pudesse celebrar com amigos e professores.

Se a professora partilhar a foto, logo a porei aqui.

4 – Festa com os amigos – street dance & piscina

E finalmente, a « grande » festa com os amigos. Foi num health club onde já tínhamos celebrado o aniversário do Campeão há uns anos atrás. Ao contrário do ano passado, este ano a Kaki queria convidar meninos e meninas e fazer algo desportivo.

Optámos por uma sessão de street dance: girissimo e todos os meninos participaram e se divertiram.
Seguida de piscina.


E depois do lanche e a abertura das prendinhas.



A Makukia foi muito mimada com prendinhas e carinhos de todos. Como tem de ser.

Em todos os momentos, feliz com a surpresa e as festas – mesmo perante a contrariedade do hotel em Paris.

E acho que assim fechámos as celebracões oficiais. Porque a celebração desta maravilha que és, é feita em todo e cada dia.

Parabéns, filhota!

Patrícia

O homem (1)

Pedes-me um conto, por ti o escrevo.

Inclinado contra o vento chuvoso, o homem avança de punhos cerrados enfiados nos bolsos. Fato escuro de inverno, camisa branca com botões de punho, gravata clássica com duplo nó simples, o todo coberto por uma gabardine entreaberta junto ao pescoço para deixar espaço para um cachecol velho enrolado de forma apressada. Nos pequenos detalhes se denota o carácter. Pensa nisso enquanto percorre as ruas manchadas pelos excessos da noite anterior e sorri a pensar na imagem que deixa de si próprio. Perde-se por momentos num devaneio. Quão falsa se torna uma percepção se o alvo tiver consciência da mesma.

Estes pensamentos resgatam-no da melancolia. Assim aprendeu a viver desde que ali chegou. Não vive, sobrevive. Isolado do mundo que sempre conheceu, encontra alento nos próprios pensamentos e na rotina dos afazeres jornaleiros. As pequenas compras a caminho de casa, a preparação do jantar, a televisão até adormecer. O barulho, sempre o barulho para abafar todo aquele silêncio. Por cima do ruído as imagens em movimento, dinâmicas digitais que preenchem o vazio e criam uma atmosfera de familiaridade fictícia. Finalmente entendo a realidade virtual, pensa. Mais um dia se esvai, menos um que falta para um esboço de vida.

No final de cada semana larga tudo sem pudor. Em cada sexta-feira conclui que não atribui qualquer valor ao que o ocupou durante os dias anteriores. Ambições mesquinhas, guerras ridículas de corredores e escritórios, conquistas medíocres por definição, tudo isso o agasta pela pequenez de alma a que se sujeita. Mas no final da semana renasce como por magia. Podia deixar tudo para trás sem remorso, gritam as entranhas, e seria a imagem da felicidade. Uma explosão de orgulho próprio fá-lo acelerar o passo, quase corre apesar das malas oblíquas. À volta vultos anónimos, corpos ambulantes desertos de interesse, sombras de um quadro ao qual não pertence. Que me importa, durante dois breves dias vou ver gente.

Uma sucessão de transportes públicos se segue. Eficientes e povoados como convém a um mundo civilizado. Nas gares, estações e paragens uma constância informativa reconfortante para quem não domina a língua. No interior dos veículos o vaivém expectável dos residentes aliado ao volume incompreensível de forasteiros, alienados como ele em busca de sentido. Mal olha para as caras, com receio de uma qualquer ligação que renega activamente. Concentra-se ao invés no horizonte indistinto, deixando a mente alhear-se do contexto e vaguear entre memórias de calor e conforto. Aflige-se por um instante com a contínua contradição de ambicionar mais tempo e simultaneamente desperdiçá-lo assim. O tempo, o mais escasso e mal entendido dos recursos.

Bilhetes por favor. Desperta ao som imponente da cobrança. Sem uma palavra estende o papel impresso pela máquina na estação e, durante uns segundos intermináveis, angustia-se com a remota hipótese de haver algo de errado e não o deixarem seguir viagem. Pouco importa quantas vezes faça a viagem, a sensação de desorientação sistémica não o larga. Para sempre um alien, como chamam os americanos aos estrangeiros. Controlo feito, tudo em ordem, pode seguir. Com um suspiro de alívio guarda o bilhete no bolso e prepara-se para sair. Ainda dez minutos até à próxima paragem mas para quê sentar-se quando o corpo anseia progresso. De malas em riste posiciona-se em frente às portas do combóio, numa mensagem explícita de dominância para o resto dos ocupantes. Agora é a minha vez, atira-lhes com um olhar.

Portões abertos, mergulha num abismo de luz e expectativa. Por oposição ao espaço exterior, o aeroporto é um mundo de ordem e claridade. Cada centímetro estudado para optimizar processos e facilitar o avanço. Nos olhos de quem ali anda o propósito comum de chegar a um qualquer destino final ou intermédio. Na dúvida, basta olhar para cima e seguir as indicações. Tudo à mão de semear, a ilusão do mundo ao alcance de todos. Em pano de fundo a rígida eficiência e a segurança imposta à força de metralhadora se preciso for. Uma sociedade global em ponto pequeno onde autoridades não eleitas impõem comportamentos e onde os cidadãos consentem um total constrangimento da sua liberdade pessoal.

Ali sente-se bem. Já não está em território alheio, de certa forma aquele espaço também lhe pertence. Tem direitos, é alguém a caminho de casa. Volta a olhar as pessoas nos olhos, o perigo passou. Pode baixar a guarda, se a partir de agora acontecer alguma coisa alguém há-de saber quem contactar. Já não está só. Sentado num banco junto à porta de acesso, pensa nas almas solitárias e na dor de quem conclui nada e ninguém ter. Do alto do muro entre os dois mundos desligados em que nesta fase se insere, aprecia o privilégio de pertencer algures e o monumental desafio de viver sem rede de apoio. Pouco importa, agora está seguro.

Enquanto espera observa a actividade circundante. Sempre o divertiu imaginar os segredos que carregam aqueles com quem se cruza. Tanto quanto sabe, qualquer uma daquelas pessoas pode ser um bandido, um renegado, um santo. Na verdade o mais provável é que seja mesmo uma dessas coisas. Ou todas juntas. Ninguém é apenas normal. Ali todos tentam adaptar-se às regras pois as consequências são severas mas noutras circunstâncias quem sabe. Personalidade determinada pelo ambiente e pela interacção. Observação é realidade.

Nuno

11.4.15

Ganda champs!

O nosso campeão esteve em grande no torneio de râguebi e marcou o ensaio do triunfo na final do torneio de Delft.



Chega a casa cheio de nódoas negras, cortes, escoriações, entorses e dores diversas...marcas e mazelas de quem lá anda e não se acanha. Durante um minuto entoa as queixas, entremeadas com os relatos de glórias, virtudes suas e alheias, euforias e depressões. Depois esquece-se e anseia pelo próximo treino ou jogo. Vício saudável, obsessão sadia.

Neste desporto incrível não há simulações, o jogo segue doa a quem doer e o colectivo está sempre acima do indivíduo. Hoje foi um dia bom. Ganharam porque deram tudo e jogaram unidos. Outros há em que perdem copiosamente e são proibidos de se queixar de árbitros ou azares. Só assim aprendem a concentrar-se apenas no que fazem e a erguer-se perante a adversidade.

O líder em campo é ele. Ordena frente e retaguarda aos berros aceites sem hesitação, selecciona e aloca alvos, desequilibra com simulações e passes imprevisíveis, estimula com arranques em que deixa 2-3-4 para trás, dá o exemplo da coragem e enrola-se em matulões com mais um palmo. Lembro-me ainda quando chegou e mal o deixavam entrar na equipa. Hoje é indispensável, ocupa a posição mais importante e o treinador não admite a ideia de faltar a um jogo.

Confiou-me discretamente um senhor que claramente sabe da poda que o puto é bom jogador. É inteligente - disse-me - sabe ler o jogo. É a posição mais difícil, tem que estar sempre a coordenar os outros e a determinar o ritmo.

Eu que sou suspeito diria mais. Em campo o leão revela-se por inteiro, encontra a sua voz e mostra ao mundo o monstruoso potencial que por cândido desprezo habitualmente guarda para si. O pai esconde o orgulho e incentiva-o a ir mais longe e desfazer a cerimónia, não pelos outros mas por si mesmo e pelo universo que quando quiser pode atingir.

Nuno


8.4.15

Infinito

Nas árvores, observando com cuidado os ramos que parecem nús,  vêem-se pequenas folhas que discretamente aparecem.

Há mais pássaros, alguns estranhos, no meio da cidade. Ainda nas árvores despidas se começa a ver pássaros, atarefados, de volta dos seus ninhos. Os dias são mais longos e, timidamente, o sol aquece.

Veio a Primavera.

Algumas flores já cairam das árvores. Apanhei algumas, perto do canal, com a Kaki. A pensar em escrever-te:

Patrícia