No dia 6 de Fevereiro deste ano (1 dia antes
dos 40), resolvi começar a correr. Nunca corri antes na
minha vida e, apesar de ter apoiado o meu mano nas suas maratonas em Amesterdão, indignava-me com a tentativa de conversão à corrida por parte daqueles que praticavam o desporto. Sentia-o como se
estivessem a pregar uma nova religião - e de certa forma acho
que não ando muito longe porque correr é uma nova religião para muitos - e pior, a tentarem converter-me. Sentia a minha liberdade
agredida porque sempre detestei correr e sou firme em defender a minha
liberdade de escolha.
Comecei a correr com um objectivo: fazer-me sair
de casa com regularidade, manter-me fisicamente em forma e testar as tais
endorfinas da corrida. Acima de tudo quis impedir-me de ficar atirada em casa e
de abrir os braços a uma depressão.
Sim, Fevereiro em Amesterdão é
frio e escuro. Vivo aqui há tempo suficiente para realmente saber (algo diferente de imaginar) o
quanto a luz afecta o humor. Para mais, o meu humor estava já desequilibrado de base, desde que, em Novembro do ano passado me foi
diagnosticado um esgotamento ou “burnout” e, médicos me mandaram para a actividade profissional (a qual eu era doentiamente
dedicada: uma terrível (para mim) pure core corporate workaholic).
Comecei a correr porque me sentia em baixo,
longe de casa e dos amigos, perdida, confusa e no meio de um processo que,
estou hoje convencida, foi gerido de forma tão amadora como se eu hoje decidisse ir dar treinos de raguebi a rapazolas.
Tinha manifestado que poderava começar a correr – ouvi de algumas mães da escola a dizer que
fazia a diferença e que as corridas eram uma festa, via
em tantas pessoas a gana, o esforço que pensei que talvez
valesse a pena experimentar. E assim, o Grandalhão, ouvindo a minha vontade, trouxe-me uns ténis (azul céu) e eu comecei. Foi dia 6 de Fevereiro,
eram 6 da tarde, estavam zero graus. Corria três minutos, andava dois. Sem fôlego (que as inspirações sôfregas de ar mais me magoavam a garganta
do que me pareciam oxigenar), a sentir-me péssima, e lá fiz 3 kms.
Sortuda como sou, consegui o melhor
patrocinador que podia e num ápice fiquei equipada dos pés à cabeça. Nike. Tudo Nike. A deusa da vitória. E que diferença faz ter o equipamento certo! Faltava
agora algo para manter na mira: e foi assim que a inscrição na prova se fez. 16 de Maio.
Fui treinando. Sózinha quase sempre (e com muitas duvidas se estaria a fazer bem), e das vezes em que fui acompanhada foi por um dos meninos
de bicicleta. Com dicas aqui e ali, claro, em especial (e de longe demais) do
mano. Fui buscar o pacote da corrida alocaram-me o grupo. E chegou o dia.
Uma festa antes e durante o "warm up".
A corrida começou já de noite. As ruas de Amesterdão encheram-se de camisolas salmão. Parti no grupo que me
alocaram e fui passando outras corredoras. Muitas no início, menos a partir do km 5 mas ainda passava até ao km 7. Pensava que afinal não sou tão diferente do mano, que é ultra competitivo, quando ía pelo passeio ou pela relva ao invés de pela estrada para poder
ir mais rápido, ou quando, num toque suave e
ligeiro encostava as costas da palma da mão direita ao braço esquerdo da pessoa à minha frente, dizendo “sorry”
para me ceder passagem. O Diogão tinha-me dito para me
fixar numa e a seguir. E eu fixei, uma após a outra. Perguntava-me se seria ético nas corridas ou não pedir passagem (ou reduzir
o passo e esperar pacientemente por uma abertura). Alguém esclarece?
Na altura achei que estava a ser cordial, e
que queria era passar. E ainda bem que elas ali estavam porque me faziam querer
passar mais e mais, uma após a outra. mas ao mesmo
tempo não me deixar estoirar porque não podia dar tudo logo no início (e rebentar).
O passeio foi ameno pela ruas do Oud Zuid, o
Vondelpak, passamos debaixo do Rijksmuseum,
passeio na Prinsengraacht e
regresso, novamente pelo Vondelpark. Gostei em especial de passar os dois dos
pacers que corriam com os balões a indicar 70m e 65m. Havia gente nas ruas e a animar as corredoras.
O final foi duro. O último km custou muito. “Give all you have now”, estava escrito. E havia quem desse porque aí estava a ser passada. Bem
me avisaram para me guardar para o final. Mesmo à boca da entrada no estádio olimpico, quando as forças começavam a faltar, os meus amores. Que bom vê-los! Devolveu-me o ânimo para seguir, a sorrir,
até à meta.
Orgulhosa do resultado (o oficial)
E o do telefone
E agora, perguntam-me?
Agora é celebrar a sensação de que fui (e sou) capaz, saborear o prémio feito pela minha Kaki e relembrar as lições desta experiência.
Agora é pelo menos manter a forma para no Verão ir fazer os trilhos das Lampas (ou pelo menos a parte das falésias da minha vida), na companhia exclusiva do meu mano. Depois, logo se vê.
Patrícia