22.12.10

devaneio dialéctico

Dizem que a vida é feita de pequenos momentos, de ínfimas espreitadelas de autenticidade por entre as malhas cerradas do infinito cobertor de ilusão com que escolhemos proteger-nos da rudeza da existência.

Absortos, abjectos, deixamo-nos embalar pela expectativa de glórias futuras e pela memória de humilhações passadas. Pulamos sem rumo de atracção em atracção, na esperança conscientemente vã de encontrar pelo caminho um propósito, uma razão.

Mas no fundo sabemos que não interessa porquê, que há muitos porquês, que há tantos porquês quantos aqueles que quisermos criar. No fim só fica o facto. Melhor dito, a série de factos que constitui uma vida.

Alguns desses factos são magníficos, atraentes, captivam a imaginação e a inveja. Incitam-nos à espera, traem-nos na memória e absolvem-nos da ausência de tempo e atenção para com tudo o resto.

Outros são fugazes, etéreos. Não sabemos descrevê-los ou quantificá-los. Muito menos perante terceiros. E esquecemo-nos deles para nos concentrarmos naqueles que nos trazem um retorno mais imediato.

Mas na verdade são estes, os aparentemente insignificantes, que nos tocam. Em surdina, apanham-nos distraídos pelas luzes e infiltram-se pelos poros da couraça. Devagar, sobem pela corrente sanguínea, corroem o sistema imunitário e infectam o coração.

De visão deturpada e sentidos trocados, ficamos indefesos. Esvai-se o gosto pelo efémero e a ansiedade dos grandes momentos. Desorientados, julgamos perder o prazer de viver e fechamo-nos em nós.

Mas eis que surge um prazer inusitado por algo ridículo, inominável, desprezível. Um dia que se esfuma sem nada para contar mas repleto de contentamento. Um vazio de conversas de circunstäncia que enche a alma de significado. Uma alegria esfuseante por um momento banal. Um orgulho desmesurado por uma conquista trivial.

Esse é o momento da viragem. A vida de pernas para o ar traz consigo a serenidade.

Nuno

21.12.10

lar doce lar

Há quase 5 anos atrás preparava-me psicologicamente para a perspectiva de ter que trocar a minha terna Lisboa pela dureza de uma terra arrancada ao mar e fustigada continuamente pela espuma do oceano amargo e vingativo.

Com razão me angustiava pois a transição foi custosa. Já instalado, já quebradas as barreiras iniciais e dúvidas me assaltavam ainda. Algo não estava certo, as contas estavam furadas, logo eu que sempre recusei tal ideia. E agora, que cheiro é este, que língua agreste me assalta os tímpanos, que gente bruta me empurra e ignora.

No fim segurou-me sempre o impávido pragmatismo da minha realidade de redundante originário. O país, o meu país, não mais me quis. Mas era ainda o meu país. Exilado ou não, a certeza era absoluta.

Algo mudou contudo. Algo fundamental. Esfumou-se o sentimento de exílio. Não reconheço o peso da distância, que agora me parece pouca. E o lar mudou de sítio, juntou-se finalmente à casa.

No sábado regressei de longe. Furei a tormenta branca para voltar para casa. Para a minha terna Amesterdão, que agora defendo com unhas e dentes da mais leve insinuação. Como antes fazia por Lisboa.

Nuno

12.12.10

Jantar em tom feminino

Éramos seis, vindas de diversos cantos do mundoː eu, uma americana a viver há vinte anos na Europa (Berlim, Paris e agora Amesterdão), uma Inglesa criada na Austrália, uma Japonesa também há vinte anos na Europa (Irlanda e Amesterdão), uma americana chegada o ano passado a Amesterdão e uma Uruguaia que viveu já no México, EUA, Coreia e agora Amesterdão.

O meu caso é, de longe, o mais simples porque o Grandalhão é do mesmo continente, país, cidade que eu. Nos outros casos, e respectivamente, as senhoras são casadas com um Americano de outra cidade e que conheceu na Europa, um Franco-Canadiano, um Irlandês, um Servo-Croata e um Francês.

Conhecemo-nos porque os nossos filhos andam na mesma escola. Mais uma vez, os meus filhos não têm grandes angústias porque são, e sabem-se, portugueses. Já (alguns) dos seus amigos têm diversos passaportes e um deles perguntou a mãe "quando me perguntam de onde venho o que devo responder?" - isto porque sendo filho duma Uruguaia e de um Francês, nasceu no México e veio da Coreia para Amesterdão.

Estava portanto lançado o mote. Em comumː género, mães, expatriadas, escola, o constante dilema para onde depois de Amesterdão? Diferençasː as de origem e percurso que são, é evidente, muitas.

Discutiu-se, claro, a escola. O que é, o que gostaríamos que fosse, o que se seguirá depois desta escola. As opiniões eram sempre diferentes – trabalhar ou dedicar-se em exclusivo aos filhos, deixá-los crescer ou atrasar-lhes infância, discipliná-los para a vida em sociedade ou incitá-los a manterem a sua individualidade intacta, mantê-los perto ou mandá-los para um colégio interno – todas questões que geraram muito e animado debate. Regado a um belo vinho branco.

Soube-me bem. Tive pena que depois do jantar ninguém tivesse pronto para continuar a noite porque eu estava! Deitei-me às duas da manhã. O dia seguinte começou com a Kiki às seis. Estive um trapo o dia quase todo, que foi dedicado a preparar o jantar para convidados em nossa casa. Também interessante, mas esse deixo para o Grandalhão contar.

Patrícia

5.12.10

Noite de magia - Sinterklaas

O Sinterklaas chegou no dia 14 de Novembro a Amesterdão e, desde então, tem sido um crescendo de festa, para acabar a ser celebrado hoje.

Preparámos tudo para a vinda do Sinterklaasː

- os chapéus

- a vela do Piet que nos alumiou a noite

- o desenho do Di sobre o Sinterklaas

- o barco da Kiki

- a mesa

E foi uma noite muito especial. Não sei como transmitir o cuidado, o afecto, a dedicação, o pormenor e vontade de todos cá em casa para que tivesse sido tão bonito.

Enquanto preparávamos uma gostosa refeição reparámos que o Sinterklaas tinha passado cá por casa. Deixou, a cada um dos meninos, um poema e um presentinho. E para todos um jogo de famíliaː o Scrabble.

O jantar foi aquilo que se espera dum jantar especial de familiaː harmonia e alegria.


E depois jogámos Scrabble.

Foi realmente especial. Como diz o Grandalhão dank je wel Sint voor een geweldige dag!!

Patrícia

3.12.10

o pesadelo das viagens

Depois de uma hora de interrogatórios, inspecções, controlos, desconfiança, acusações implícitas, abusos de poder e discriminação estou finalmente sentado à espera do avião de retorno a casa. São 4 da manhã. Não há pachorra.

E qual o motivo de tanta angústia? Estou em Tel Aviv e tenho o carimbo da alfândega da Tunísia...onde fomos pelas férias. Passámos uma semana no club med. Pode haver coisa mais boçal e inocente? Sim, o país é muçulmano mas notoriamente ocidentalizado a todos os níveis. Para além do que, há uma forte comunidade Tunisina em Israel e muitos Israelitas escolhem a Tunísia como destino de férias.

Nada disto interessa ou está sequer para discussão. Bem posso trazer cartas da minha empresa, pedir-lhes para ligar antecipadamente ou mesmo recorrer a guias especializados em facilitar o processo dentro do aeroporto. Nada funciona. Assim que vêm o maldito carimbo começa o massacre.

Perguntas iniciais, todas as malas passadas por detector, todas as malas abertas e revistadas, acompanhamento ao balcão do check-in, controlo de passaporte, malas de cabine novamente passadas por detector, abertas e revistadas, controlo de passaporte, controlo de fronteira, controlo de passaporte. Quase 1 hora com o aeroporto às moscas, da outra vez foi 1,5 horas.

E isto sem que encontrem em qualquer momento algo minimamente suspeito ou que tenham motivo algum para desconfiar do meu comportamento. Senão seria imediatemente encaminhado para uma sala à parte e revistado `minuciosamente´.

Eu percebo o interesse da segurança mas o facto incontornável é que uma viagem de avião é hoje, apesar de toda a sua reconhecida comodidade tempestiva, uma experiência para esquecer. Não só aqui, é mais uma realidade global.

Para quando o tele-transporte? Ou algum tipo de experiência virtual que substitua a presença física? Ou, num tom milimetricamente mais realista, quando é que eu posso viajar em jacto particular?

Nuno

2.12.10

eis como o mundo se torna pequeno

A breves dias do Natal páro por segundos e penso nos tempos que me esperam.

Estou em Israel há 3 dias, tendo no espaço de 5 horas passado de temperaturas negativas e neve para 28C e céu azul e preparando-me para fazer o caminho inverso dentro de algumas horas.

Ainda em Dezembro vou passar 4 dias na China, 4 em Lisboa, 4 na Madeira. Tudo isto com intervalos mínimos em casa e preenchido por contactos com as pessoas mais diversas aos níveis de origem, personalidade e situação.

Sou um Português a trabalhar para uma empresa Israelita na Holanda e responsável por activos espalhados por todo o mundo. E o mais incrível é que tudo isto já me parece natural. Eu, que nem queria ouvir falar em sair de Portugal.

Entre outras coisas, pergunto-me se ainda sou Português. Porque continuo a definir-me como tal? Tenho nacionalidade Portuguesa mas é bem possível que já não seja Português. Isto assumindo que o Portuguesismo tem qualquer tipo de substância, que há uma homogeneidade cultural intra fronteiras, que o termo tem mais significado do que a simples constatação de nacionalidade, algo que por defeito contesto vivamente.

Mas se não sou Português o que sou? Holandês não certamente, até porque tal termo padece dos mesmos defeitos que o Portuguesismo. E cidadão do mundo muito menos, mais por incapacidade do que por objecção de consciência. O que me deixa num limbo originário, numa orfandade cultural que em muito me esvazia.

Mas não há como voltar atrás, passei a ser isto onde quer que esteja.

Nuno