23.10.23

Empty nest (ou ninho vazio)

O termo empty nest é usado para se referir a uma transição familiar em que os filhos cresceram e deixaram a casa dos pais (ou agregado familiar). A expressão é bem ilustrativa: os passarinhos abriram asas e lançaram-se à vida, deixando o ninho vazio.

É-se empty nester mais tarde ou mais cedo, consante a idade em que se foi mãe/pai e também a idade em que é culturalmente esperado que os filhos saiam de casa dos pais - aqui no norte coincide, regra geral, com a entrada na faculdade.

E este acontecimento, depois de se ser mãe/pai por duas décadas, desencadeia uma mudança nas condições de vida e dinâmica da casa, incluindo um reajustamento do papel parental e das próprias relações familiares. É um momento emocionante e assustador.

A família nuclear é a estrutura base (e universal) de qualquer grupo e portanto, o tecido de qualquer sociedade. Na nossa sociedade, regra geral, a família consanguínea caracteriza-se por uma residência comum, cooperação económica e perpetuação da linha, ou seja, tipicamente um casal e filhos dependentes a viverem na mesma casa e partilharem os recursos. E assim sendo, a estabilidade da família nuclear depende da qualidade da aliança entre as duas pessoas que, uma vez procriando, se unem em torno da linha de descendência e sua formação/capacitação.

Na canção “Papaoutai” de Stromae, sobre a ausência de um pai na vida de uma criança, há uma frase que fica no ouvido:  

Tout le monde sait comment on fait des bébés

Mais personne sait comment on fait des papas

A cancão é sobre paternidade, porque o artista cresceu sem o pai, mas vale também sobre maternidade (pelo que neste texto uso parentalidade querendo falar de ambos).

Li algures que a parentalidade “é a forma mais nobre e importante de liderança”. Criar um núcleo familiar envolvido e motivado por algo comum, respeitando a individualidade e contribuição equitativa (diferente de igual) de cada um, ao mesmo tempo entendendo que a “equipa da casa” é a mais importante da vida.

E no entanto, para tantos, a “equipa” que se grita a todos os ventos ser a mais importante é, aquela na qual se investe com menos habilidade. Certamente muito pouca formação. Aposta-se na equipa do desporto que se pratica, ou na empresa/carreira onde se desenvolve actividade económica e laboral, mas nem sempre na equipa da casa.

Ser mãe / pai acontece de um dia para o outro. E qual a nossa abordagem? Uma espécie de on the job training, adquirindo novas competências e aptidões necessárias num ambiente real e ao vivo e sem grande treino, orientação ou supervisão de mães/pais experientes. Na postura de que se educa os filhos por “assimilação ou oposição” daquilo que se viveu e viu.

Tem-se um filho e depois de um empurrão inicial (para quem tem sorte), entra-se no caminho determinado tantas vezes por escolhas e contrangimentos que se torna um processo contínuo de aprendizagem que vai muito além do papel que se desempenha em determinado momento. Porque não se é, momentâneamente, mãe / pai – é-se para sempre: sem pausas, fins de semana, férias, demissões ou desistências. Vestimos o papel e seguimos um caminho de desenvolvimento de competências, emoções e conhecimento guiado por objectivos ora enormes e vagos (“a felicidade deles” como se apenas de nós dependesse), ora definidos (esta escola, esta actividade, esta viagem) que dependem muito das ambições (e ainda mais dos constrangimentos), das capacidades, e das tomadas de decisão em cada momento da vida (nossa e deles).

Ora, um dos nossos preconceitos humanos básicos é a tendência de assumir o crédito pelos nossos sucessos como uma função da nossa excelência pessoal e de atribuir os fracassos a circunstâncias externas. Por isso importa ser criterioso na sua auto-avaliação enquanto progenitor.

Ser mãe / pai requer aprender uma (ou muitas) habilidade(s) e estar em constante evolução: compreender e apoiar os filhos (cada um diferente do outro) à que medida que eles (e nós) envelhecemos. Sempre com – novos - desafios.

Quando os nossos filhos eram pequenos, ser mãe era natural, quase instintivo. Seguia grandes princípios – responsabilidade, proactividade, preparação - e tomava decisões quase binárias, num ambiente simples, seguro e bastante controlado. Ou talvez me pareça assim, tantos anos passados.

Hoje, sinto de forma muito diferente. Primeiro, porque tornando-me empty nester, não consigo entender a frase que me repetem “está feito, eles agora têm as suas asas”. Não. Ser mãe não acaba porque os filhos partem para a universidade. O “trabalho” não está feito. É diferente, claro - não assertivo mas é uma “carreira” sem fim: é-se mãe (pai) para sempre.

E num contexto em que as nossas vidas são mais longas e mais saudáveis, penso que nos tornaremos cada vez mais essenciais para ajudar os filhos a enfrentar um mundo cada vez mais volátil, complexo e ambíguo. Ou será a década dos 20 que é sempre caótica? A questão é agora, então, como apoiar filhos adultos (ou quase) no meio do caos e da complexidade, por vezes numa realidade quase incompreensível?

Talvez passe, na próxima fase, por conseguir transmitir serenidade – ou pelo menos uma rede de apoio (emocional, financeira, espiritual)? Quem melhor do que aqueles que já se passearam por diferentes fases da vida, e estão dispostos a compartilhar as lições para o fazer? Ou serão eles a transmitir-me essa dita tranquilidade? Serão momentos?

No nosso caso, a vida tem-se vindo a complexificar. Partimos há 16 anos de Portugal e não há como voltar atrás. Com os pais, irmãos e restante família em Portugal aprendemos a viver de forma autónoma, independente, oposta à vida gregária que se tem com a família alargada por perto, e que ocorre frequentemente (mas não exclusivamente), em regiões onde as condições económico-culturais tornam difícil para a família nuclear alcançar a auto-suficiência, sendo os recursos partilhados e acrescentando um aspecto mais comunitário à unidade familiar. Sendo necessária a cooperação, a ajuda é recrutada, geralmente entre os parentes. A partilha de recursos não se limita somente a bens materiais, mas, e acima de tudo, a tempo – por exemplo avós que cuidam dos netos permitindo aos pais que se foquem nas carreiras, e por um lado reduzindo-lhes os níveis de stress, por outro melhorando a qualidade de vida tanto dos avós quanto dos netos. Tivémos isto quando estávamos em Portugal e durante as férias durante muito tempo. Até ao Covid rebentar com esta dinâmica – como o fez com tantas outras.

Nós na Holanda. Os quatro. Pelo menos por enquanto. Com actividades em cidades e países diferentes. Não se antecipa maior simplicidade nos próximos tempos. Antes pelo contrário.

E não há propriamente mapas a indicar-nos os caminho. Resta-nos navegar “à vista”. E à vista - seja com a confiança nas estrelas-guias do firmamento ou, com a falta delas no meio de nevoeiro cerrado -  navegaremos. Com o coração sempre nas três famílias nucleares de que somos parte: a família de origem (na qual somos filhos) e a família de procriação (na qual somos pais).

Patrícia