O termo empty nest é usado para se referir a uma transição familiar em que os filhos cresceram e deixaram a casa dos pais (ou agregado familiar). A expressão é bem ilustrativa: os passarinhos abriram asas e lançaram-se à vida, deixando o ninho vazio.
É-se empty nester
mais tarde ou mais cedo, consante a idade em que se foi mãe/pai e também a
idade em que é culturalmente esperado que os filhos saiam de casa dos pais - aqui
no norte coincide, regra geral, com a entrada na faculdade.
E este acontecimento,
depois de se ser mãe/pai por duas décadas, desencadeia uma mudança nas
condições de vida e dinâmica da casa, incluindo um reajustamento do papel
parental e das próprias relações familiares. É um momento emocionante e
assustador.
A família nuclear
é a estrutura base (e universal) de qualquer grupo e portanto, o tecido de
qualquer sociedade. Na nossa sociedade, regra geral, a família consanguínea caracteriza-se por uma residência comum, cooperação económica e perpetuação
da linha, ou seja, tipicamente um casal e filhos dependentes a viverem na mesma
casa e partilharem os recursos. E assim sendo, a estabilidade da família
nuclear depende da qualidade da aliança entre as duas pessoas que, uma vez
procriando, se unem em torno da linha de descendência e sua
formação/capacitação.
Na canção “Papaoutai”
de Stromae, sobre a ausência de um pai na vida de uma criança, há uma frase que fica no ouvido:
“Tout le monde sait comment on fait des bébés
Mais personne sait comment on fait des papas”
A cancão é sobre
paternidade, porque o artista cresceu sem o pai, mas vale também sobre
maternidade (pelo que neste texto uso parentalidade querendo falar de ambos).
Li algures que a
parentalidade “é a forma mais nobre e importante de liderança”. Criar um núcleo
familiar envolvido e motivado por algo comum, respeitando a individualidade e
contribuição equitativa (diferente de igual) de cada um, ao mesmo tempo
entendendo que a “equipa da casa” é a mais importante da vida.
E no entanto,
para tantos, a “equipa” que se grita a todos os ventos ser a mais importante é, aquela na
qual se investe com menos habilidade. Certamente muito pouca formação. Aposta-se
na equipa do desporto que se pratica, ou na empresa/carreira onde se desenvolve
actividade económica e laboral, mas nem sempre na equipa da casa.
Ser mãe / pai
acontece de um dia para o outro. E qual a nossa abordagem? Uma espécie de on
the job training, adquirindo novas competências e aptidões necessárias num
ambiente real e ao vivo e sem grande treino, orientação ou supervisão de
mães/pais experientes. Na postura de que se educa os filhos por “assimilação ou
oposição” daquilo que se viveu e viu.
Tem-se um filho e
depois de um empurrão inicial (para quem tem sorte), entra-se no caminho
determinado tantas vezes por escolhas e contrangimentos que se torna um
processo contínuo de aprendizagem que vai muito além do papel que se desempenha
em determinado momento. Porque não se é, momentâneamente, mãe / pai – é-se para
sempre: sem pausas, fins de semana, férias, demissões ou desistências. Vestimos
o papel e seguimos um caminho de desenvolvimento de competências, emoções e
conhecimento guiado por objectivos ora enormes e vagos (“a felicidade deles”
como se apenas de nós dependesse), ora definidos (esta escola, esta actividade,
esta viagem) que dependem muito das ambições (e ainda mais dos constrangimentos), das capacidades, e das tomadas de decisão em cada
momento da vida (nossa e deles).
Ora, um dos
nossos preconceitos humanos básicos é a tendência de assumir o crédito pelos
nossos sucessos como uma função da nossa excelência pessoal e de atribuir os
fracassos a circunstâncias externas. Por isso importa ser criterioso na sua auto-avaliação enquanto progenitor.
Ser mãe / pai
requer aprender uma (ou muitas) habilidade(s) e estar em constante evolução: compreender
e apoiar os filhos (cada um diferente do outro) à que medida que eles (e nós)
envelhecemos. Sempre com – novos - desafios.
Quando os nossos
filhos eram pequenos, ser mãe era natural, quase instintivo. Seguia grandes
princípios – responsabilidade, proactividade, preparação - e tomava decisões
quase binárias, num ambiente simples, seguro e bastante controlado. Ou talvez
me pareça assim, tantos anos passados.
Hoje, sinto de
forma muito diferente. Primeiro, porque tornando-me empty nester, não consigo
entender a frase que me repetem “está feito, eles agora têm as suas asas”. Não.
Ser mãe não acaba porque os filhos partem para a universidade. O “trabalho” não
está feito. É diferente, claro - não assertivo mas é uma “carreira” sem fim: é-se mãe (pai) para sempre.
E num contexto em que as nossas vidas são mais longas e mais saudáveis, penso que nos tornaremos
cada vez mais essenciais para ajudar os filhos a enfrentar um mundo cada vez
mais volátil, complexo e ambíguo. Ou será a década dos 20 que é sempre caótica? A questão é agora, então, como apoiar filhos
adultos (ou quase) no meio do caos e da complexidade, por vezes numa realidade quase
incompreensível?
Talvez passe, na
próxima fase, por conseguir transmitir serenidade – ou pelo menos uma rede de
apoio (emocional, financeira, espiritual)? Quem melhor do que aqueles que já se passearam por diferentes fases da vida, e estão dispostos a compartilhar as
lições para o fazer? Ou serão eles a transmitir-me essa dita tranquilidade? Serão momentos?
No nosso caso, a
vida tem-se vindo a complexificar. Partimos há 16 anos de Portugal e não há como
voltar atrás. Com os pais, irmãos e restante família em Portugal aprendemos a
viver de forma autónoma, independente, oposta à vida gregária que se tem com a família
alargada por perto, e que ocorre frequentemente (mas não exclusivamente), em
regiões onde as condições económico-culturais tornam difícil para a família
nuclear alcançar a auto-suficiência, sendo os recursos partilhados e acrescentando
um aspecto mais comunitário à unidade familiar. Sendo necessária a
cooperação, a ajuda é recrutada, geralmente entre os parentes. A partilha de
recursos não se limita somente a bens materiais, mas, e acima de tudo, a tempo –
por exemplo avós que cuidam dos netos permitindo aos pais que se foquem nas
carreiras, e por um lado reduzindo-lhes os níveis de stress, por outro
melhorando a qualidade de vida tanto dos avós quanto dos netos. Tivémos isto quando
estávamos em Portugal e durante as férias durante muito tempo. Até ao Covid
rebentar com esta dinâmica – como o fez com tantas outras.
Nós na Holanda. Os quatro. Pelo
menos por enquanto. Com actividades em cidades e países diferentes.
Não se antecipa maior simplicidade nos próximos tempos. Antes pelo contrário.
E não há propriamente
mapas a indicar-nos os caminho. Resta-nos navegar “à vista”. E à vista - seja com a confiança nas estrelas-guias do firmamento ou, com a falta delas no meio de nevoeiro cerrado - navegaremos. Com o coração sempre nas três famílias nucleares de que somos
parte: a família de origem (na qual somos filhos) e a família de
procriação (na qual somos pais).
Patrícia