28.3.21

Pais - Bodas de Ouro

A celebração - possível - de meio século de casamento vosso.

50 anos! - YouTube 

Agradecida a todos os que aceitaram o desafio. E a Kiks por editar.

Patricia


15.3.21

Os nossos passeios

São essenciais os nossos passeios. São-no para sanidade mental, recalibragem, gestão de expectativas e alinhamento. Sempre foram importantes na nossa relação.

Para o Grandalhão são também um momento em que se distrai capturando imagens, seja de pessoas, objectos ou natureza.

Este fim de semana fomos a Zandvoor ao parque e dunas que terão começado algures em 1845, e que tem tido uma grande actividade na construção do abastecimento de água para Amesterdão e os Amsterdammers. É que Amesterdão tinha um problema grave de água potável na idade média sobretudo por causa da poluição e escassez da água potável saudável. Entre 1500 e 1800, a cidade cresceu de 40,000 para 220,000 pessoas e a agua sempre foi um problema muito discutido, sendo vários planos feitos: poços, canais, a criação de bacias de água potável.  Ate Napoleão, numa visita em 1811, define que o fornecimento moderno de agua era uma prioridade e que o transporte de agua para a cidade, feito pela Sociedade de Agua de Versch, era um processo antiquado e pesado. Em 1845, surge a ideia de um engenheiro, Christiaan Vaillant, de fornecer Amesterdão com a agua das dunas, através de um oleoduto. É Lennep que cria o Amsterdam Duinwater em 1851. Em Dezembro de 1853, a primeira agua e vendida no Haarlemmerpoort a 1 cêntimo por balde. Actualmente, a rede de agua purifica nada menos do que 70 milhões de m3 de agua todos os anos.

As dunas, tem um grande valor cultural e histórico. Foi la que agricultores, caçadores e senhorios viveram. E la que encontramos bunkers, legado da Segunda Guerra Mundial.

É uma parque grande, onde se percorrem quilómetros e se pode observar a natureza limpa e em tranquilidade. Veem-se arvores, reservas de agua, dunas, flora e fauna. Pagamos EUR 1,5 por entrada e EUR 2 pelo parque de estacionamento (irrespectivamente do tempo que se fica e claro que se incentiva a ir de bicicleta ou a pé mas longe demais para nós).

Assim fomos ontem. Apanhamos ar fresco, arejamos ideias, e o Grandalhao capturou bonitas imagens. Ficam algumas.








Quando encontrou outras almas selvagens que o reconheceram e nao fugiram









Os bastidores:



Que bom!

Patrícia

3.3.21

Poema “Os filhos”, de Khalil Gibran

A poesia tem, por vezes, o dom de nos explicar a nós próprios. Ou parafraseando, às vezes apenas com um poema “chegamos lá”. “Lá”, onde? Entenda o leitor, se o houver, o que quiser. Este poema que, como qualquer bom poema, deve ser lido e relido, ressoou em mim nas mais diversas maneiras. Como mãe, como filha, como observadora de relações pais-filhos, e por ser um tema que exploro na minha lenta tentativa de criação literária.

Em tradução livre o poema é, mais ou menos, isto:

E uma mulher que segurava um bebé contra o peito disse: "Fala connosco das crianças."

E disse:

Os teus filhos não são teus filhos.

São os filhos e filhas da ânsia da Vida por si mesma.

Vêm através de ti, mas não de ti,

E embora estejam contigo, a ti não pertencem.

Podes dar-lhes amor, mas não teus pensamentos.

Pois eles têm os seus próprios pensamentos.

Podes abrigar seus corpos, mas não suas almas,

Pois as suas almas habitam no Amanhã, que não podes visitar, nem mesmo em sonhos.

Podes esforçar-te por parecer como eles, mas não procures fazê-los semelhantes a ti.

Porque a Vida não recua, nem se retarda no ontem.

Tu és o arco do qual os teus filhos, como flechas vivas, são disparados.

O Arqueiro vê a marca no caminho do infinito, e dobra-te com a Sua força para que as Suas flechas possam ir rápida e longe.

Que a tua inclinação, na mão do Arqueiro, seja para a alegria.

Pois o mesmo que ama a flecha que voa, ama também o arco que é estável.

É um tema cuja confusão cria tanto barulho quanto conflito nas famílias. E essa confusão, certamente o conflito, deve ser tão velha quanto a humanidade. Ou talvez até a preceda e venha dos nossos antepassados primatas.

Há uns dias, o Grandalhão lia-me uma passagem de um dos seus livros que dizia algo como: a diferença entre um ser vivo e um ser não vivo (um mineral, por exemplo), é a capacidade de gerar descendência, ou seja, a reprodução. A própria definição de vida é a de gerar descendência. E esta é uma força tão poderosa quanto irracional.

Acontece que os humanos são - ou assim se creem - seres racionais. Que tomam a sua vida, ou partes dela, em suas mãos, que reflectem sobre ela e tentam influenciar o seu caminho. A ciência começa a lançar muitas dúvidas se o processo é mesmo assim, ou se, pelo contrário, as decisões são tomadas e só depois o nosso cérebro “evoluído” cria narrativas que as justifiquem (ou seja, inverte o processo).

No reino animal, vê-se situações em que a vida, quando eclode, está por sua conta e risco. Nos mamíferos em especial, a cria quando nasce não está equipada para tal tarefa, e por isso, ficam por conta dos pais nos primeiros tempos. Até se tornarem capazes, funcionais e autónomos. E depois há as tribos e as hierarquias sociais que podem por si ser bastante complexas.

O ser humano, porque tem um tempo de gestação relativamente pequeno (biologicamente para permitir a passagem da cabeça na pélvis da mãe sem que a desfaça) precisa de muito tempo de cuidado intenso e ininterrupto depois de nascer. Creio que é o ser vivo mais frágil e incapaz no momento em que nasce e que, nesse momento está em absoluta e total dependência dos progenitores. A responsabilidade destes é imensa: moldar uma pessoa totalmente nova e que um dia, se o mundo seguir a sua ordem natural, existirá no mundo sem eles. E é sua tarefa de prepará-lo para o mundo. Torná-lo autónomo, funcional. A magnitude desse empreendimento pode, no entanto, fazer-nos sobrestimar a nossa importância.

E aqui surge a confusão. Como este empreendimento se prolonga por tanto tempo habituamo-nos a ser pequenos ditadores – não foi inocentemente que Salazar passava a figura do “pai da nação”, do pai ditador, que submetia e fazia depender. E também não é de espantar o desastroso resultado dessa figura, a forma como deixou o país: impreparado, disfuncional, submisso, deseducado... (perdoem-me este parêntesis politico mas não resisti). Ve-se em Portugal um grande atrasado com as novas tendencias, homofobico e ainda muito machista. Moldamos os nosso filhos e aprendemos a ser "ditadores" com as melhores das intenções (de que sabemos o quê estar cheio), de boa fé, porque estes nossos bebés são total e absolutamente incapazes. De tudo. São esponjas autênticas, aprendem tudo, ajustam-se a tudo… mas é preciso consistência, todo o tempo que se tem (e mais houvesse), dedicação sem pestanejar e não haver pingo de preguiça. E demora! Então, habituamo-nos a dar – e a que sejam cumpridas – ordens. Criamos expectativas de que as sigam sem questionar, pois afinal não são os nossos filhos um prolongamento nosso? Acontece que essas expectativas não mais são do que um fragmento de nós mesmos e que escolhemos ver nos filhos.  

À medida que os nossos filhos se tornam adolescentes e jovens adultos, não estamos preparados para os libertar, não estamos preparados para entender que agora só (e por vezes nem isso) valem conselhos. Não estamos prontos para aceitar essa perda que é a diminuição da nossa autoridade sobre eles. Não estamos preparados para não ver devolvidos: o hercúleo esforço; o imenso investimento; a infinita dedicação; e talvez até, o amparo.

O cerne da questão é que, se o nosso empreendimento foi bem sucedido, devemos estar prontos para um desgosto porque o que se espera é que esses filhos que educámos façam as suas escolhas, e que estas sejam diferentes daquelas que aconselhámos ou gostaríamos que fizessem. Porque isso nos significa chegados ao objectivo do que nos propusemos todo este tempo e que, vendo bem, é um ganho bem maior do que a perda: a autonomização, o grito do Ipiranga, e de certa forma, a realização de que se tornaram pessoas por si só.

São muitos anos a prepará-los para este momento e, provavelmente tempo nenhum, a prepararmo-nos para ele. Não admira que chegue como um choque. Porque nós somos deles, mas eles são - e é o que realmente devem ser se fomos bons pais - deles próprios.

Sabedoria incomensurável essa de, no meio de toda a complexidade e turbilhão de sentimentos sobre nós e sobre eles, o saber fazer com alegria.

Talvez se encontre redenção nos netos. Talvez toda a candura e paciência que os avós têm advenha de já sabermos não sobrestimar o peso e o papel dos pais. De terem entendido que se tem de deixar as coisas evoluírem pelo seu curso, como defendem os budistas a praticar o “detachment”. Já não nos atrevermos a criar expectativas de que eles serão outra coisa diferente do que eles próprios. De saber observar e ser testemunha de que os nossos filhos vão fazer o seu caminho com os seus filhos. Que vão errar, tal como nós o fizemos, tantas vezes. E a aceitar que, por muito tentador que seja culpar os nossos pais pelos nossos problemas, eles fizeram o melhor que podiam com o que dispunham, e que a responsabilidade pelas nossas vidas é nossa, e só nossa.

Patrícia