30.6.13

Passagem antecipada de classe


Kiki, 7 anos, fim da primeira classe (ou “CP” para o sistema de ensino que ela segue).

Há muito que identificámos a sua maturidade em relação à percepção do que a rodeia, que debatemos que necessidade de acompanhamento terá. Também avaliamos o mesmo no Campeão, mas ele, embora tenha sido constante em muito bons resultados, parece estar sempre enquadrado. Não interessa em que ambiente, onde ou com quem: um monstro social, mas isso são águas de outro moínho.

A verdade é que, desde que entrou na escola, estava a ser desafiada: português em casa, francês e inglês na escola, holandês nas actividades extracurriculares. Consistentemente trouxe para casa nestes 4 anos escolares A de “acquis”, em tudo o que foi avaliada. Para alem da escola, as outras actividades: a natação, o kung fu, o piano.

Em meados de Abril deste ano, contactou-nos a professora. Faltavam três dias para se iniciarem as férias da Primavera. Disse-nos que, segundo ela, a Kiki estava pronta para, no regresso dessas férias, mudar de classe, para a segunda classe (CE1).

Já tinhamos discutido o tema mas, em teoria, tudo é mais simples. Na altura, o súbito confronto com a escolha criou-me apreensão, confusão, ansiedade. Ela está feliz na escola, adora ir para a escola. Na realidade o risco é que não se integre na outra turma. E o que ganha com esta mudança: acaba mais cedo a escolaridade? Não estamos com pressa ou numa corrida para nada...

Pesquisámos o tema, que parece ser tudo menos consensual. Há quem defenda que o mais importante é a estabilidade emocional da criança, que se se aborrece na sala de aula, paciência. Há também quem, leoninamente, defenda que a criança tem de ser desafiada, caso contrário, aborrece-se e inicia um ciclo problemático, anti-social.

Achámos que a decisão da proposta da professora/escola teria de ser nossa, claro, mas passar pelo assentimento de todas as partes envolvidas, sobretudo pela Kiki. Na primeira abordagem, a Kiki disse que queria ficar com o seu grupo de amigas, na mesma classe. Mas, curiosa, com o tempo, foi colocando questões: porquê, como seria, e olhando com mais interesse para a classe seguinte.

E o tempo passou. Abril, Maio, e Junho. A semente colocada na nossa cabeça em Abril começou a germinar.

Entretanto discutimos o tema com várias professoras. E, factor muito importante para nós, foi-nos dito que, em princípio, a turma dela no próximo ano será uma turma mista, com uma parte dos alunos da segunda classe (os que trabalham mais autonomamente e cujo grupo estao as suas melhores amigas) e com a terceira classe inteira (que ela iria integrar desde o início do ano). E, mais, que a professora será uma professora que conhecemos - já foi professora do Diogo – e, cuja competência (re)conhecemos. Cenario ideal para a nossa Kiki que teria as amigas, o desafio e, seria acompanhada por uma boa professora.

No início de Junho, foi entretanto a Kiki chamada (sem pré-aviso) a fazer os exames nacionais com os meninos da segunda classe. Em Francês, foi avaliada em leitura, escrita, vocabulário, gramática e ortografia. Puxou a média da segunda classe para cima: teve 70%. A matemática, foi avaliada em números, cálculo, geometria, grandezas & medidas e organização e gestão de dados. Puxou os resultados para baixo (não conseguiu fazer as coisas mais técnicas as quais não foi exposta: falhou alguns cálculos de multiplicação, todos de divisão, e nas grandezas e medidas não soube lidar com a noção de tempo nos problemas – que nunca deu). Teve 57,5%.

Entretanto, muitas opiniões nos têm sido dadas. A nós e, claro, a ela. O(a)s colegas interrogam-na, bem como á professora, e dizem-lhe “tu as trop de chance”. Perguntam porquê e a professora, numa posição delicada, explica que ela está preparada, que para além dos bons resultados é interessada, que seria pena retê-la.

As meninas da segunda classe abraçam-na e perguntam-lhe se ela quer ser sua amiga.

E assim recebemos o boletim escolar do fim do ano. A proposta mantém-se e a decisão está tomada: a nossa Kiki vai saltar a CE1 (segunda classe) e passar directamente à CE2 (terceira classe).

Cá fico, na esperança de que esta seja a melhor decisão para ela. Que a desafie e que não perturbe a sua confiança e alegria a ir cada dia para a escola. Confiante, mantenho-me alerta a tudo.

Patrícia

19.6.13

O Nosso Magoito


é finalmente nosso° por direito.

Um grande alívio que importa apenas para aqueles (categoria na qual me excaixo) que querem tudo certinho.

O Magoito é todo um mundo e não se resume apenas ao “nosso” Magoito. Para lá do “nosso” há a(s) praia(s), as falésias, o pinhal, todas (tantas) pessoas que se cruzaram connosco ao longo de toda uma vida, o encontro dos pais que nos trouxe aqui, as ervilhas de cheiro, rosas e madresilvas, a tarte de maçã da Guilhermina, a ponte romana, os caminhos (tantos), os amigos, as “chinchadas”, grande parte das boas memórias de toda a minha vida, as festas, as aceleras (e suas aventuras)...

Depois há o “nosso” Magoito, que é “todo o Magoito” ainda para os pequenotes. E o “nosso Magoito”, cujas memórias não tem fim.

O terreno, tem vida por si – e dá essa energia a quem lá passa. O jardim que construímos – plantando árvores pequenas de caber na palma da mão e que agora dão sombra ou abrigam o desejo dos pequenotes de as subirem e descerem vezes sem conta. Cada recanto, cada detalhe, cada espaço. O alpendre – longas horas passadas a todas as horas do dia – e as buganvílias. O (primeiro) tanque /(depois) piscina – tantas histórias.

A casa, com todas as divisões, todos e cada objecto tem algo a contar. A lareira...

O “Nosso Magoito” é parte indissociável do que nós somos. Ė, e será para todo sempre, a alma de nós os quatro. Havendo muitos outros lugares, não há mais nenhum tão autêntico como esse – a mamã, o papá, o mano e eu. Onde, tão intensamente, vocês nos formaram. Nós os quatro.

E nós os quatro, como é querido e esperado, multiplicámo-nos. Somos, agora, nós os dez.

Demorou demasiado tempo para que fosse reconhecido por lei, apesar de, na realidade, a nossa posse ter sido pública, pacífica, contínua, de boa fé e em nome próprio, sem oposição de quem quer que seja e desde 1988.

Está feito – de papel passado na mão – a magia que foi sendo forjada e que, pese embora a indefenição legal, é o nosso lugar, pleno de muitas e muito boas memórias – e que jamais nos poderia ser tirado.

Conseguiremos alguma vez passá-lo para a geração seguinte? Será possivel que se crie a mesma magia, duas vezes seguidas, no mesmo lugar?

Patrícia


° Um parentesis porque “nosso” não é a verdade absoluta mas serve para o contexto.

9.6.13

Festa da Kiki

No dia do seu sétimo aniversário, a Kiki levou um bolo para a escola para festejar com a sua turma. No mesmo dia, celebrámos, a 4, em casa. Nas férias da Primavera, como era seu desejo, reunimo-nos com a família em Portugal para comemorar o seu primeiro aniversario em terras lusas e, hoje, acabaram-se os festejos, numa festa com amigos eleitos daqui da Holanda.

A festa estava marcada ainda antes do seu aniversário. Todavia, sendo um local muito popular, tivémos de esperar dois meses para satisfazer o desejo da Kiki: uma festa no circo. No circo Elleboog.

Numa hora, guiados por profissionais, os meninos experimentaram variedades do circo: trapézio, malabarismo, equilibrismo em cima de uma bola, equilibrismo em cima de um arame e acrobacia.


Depois lancharam, escolheram o que quereriam executar e voltaram ao trabalho para preparar um espectáculo para os familiares que assistiram a 30 minutos de diversão.

Adereços coloridos, luzes, tensão para darem o seu melhor, brilho, música!







E do público ganharam muitos aplausos.

Merece a nossa Kiki. Que estava satisfeita.


Patrícia

Ontem

Ontem foi um dia banal, sem nada de particular a assinalar.
Um daqueles dias de que é feita a vida, desfiado em lânguidas trivialidades e minúsculas obrigações familiares e individuais. De manhã a natação e as compras da semana, à tarde os momentos de deleite com o raro sol primaveril, ao anoitecer a cozinha experimental liderada pela Patrícia e conflituosamente auxiliada pelos pequenotes, à noite o já tradicional filme demasiado violento para a hora e para a idade dos infantes.
No final de um dia assim fica sempre a angústia do desperdício, numa convicção empírica incomprovada mas reiterada da existência de graduações qualitativas de aproveitamento do tempo. Embrenhados em irrelevância, desejosos dos grandes eventos que enchem só por si os calendários e ocupam por tempos infinitos as mentes em antecipação e recordação, recriminamo-nos pela incapacidade de dar à data um significado memorável.
Entre tantas micro decisões, admito sem pudor que nenhuma fundou um projecto de futuro ou sequer alimentou tal ilusão. Cada uma teve um horizonte imediato, quanto muito limitado ao alcance que a preguiça permitia, e a projecção de cada movimento expirava-se na indolência do espírito e na dominância do capricho seguinte. Fomos em cada instante coerentes com o mais íntimo de nós, fiéis ao carácter que nos é reconhecido e à nossa realidade.
Por isso relato o dia de ontem, seguro de querer mais tarde relembrar os mais ínfimos detalhes e ser tanto quanto possível verdadeiro nessa viagem no tempo, na esperançosa ainda que vã tentativa de recuperar os momentos que me vou acusar de ter desperdiçado sem consciência. Pois bem, digo de mim para mim de hoje para amanhã, aqui fica a prova dessa tal consciência, como se isso mudasse alguma coisa ou fizesse diferença.
A Patrícia a ler ao sol no banco do jardim, despreocupada por me saber alerta. Que tristeza, comentava ela mais tarde, meados de Junho e ainda não tinha apanhado sol. Que lia ela, pergunto-me agora. Um romance histórico talvez. Transporta-se nas palavras para um mundo de grandes feitos. O oposto perfeito do espaço actual. Não sei mas no fundo pouco importa. De pés esticados em cima da bola de futebol, esquece a pressão constante que a atormenta e deixa-se flutuar.
O campeão aborrecido. Precisas de palhaços para te divertirem, dizia-me a minha mãe nesta idade. A injustiça de me rever nele faz-me recuar. O nosso Diogo é muito mais do que eu, se olhar para ele com objectividade consigo ver todo o tipo de influências e tendências. Um portento de sociabilidade, notável como a disposição se altera instantaneamente quando os amigos finalmente chegam. Desaparece no bosque, invencível e orgulhoso. Reaparece aqui e ali, felizmente sem dano de relevo. Apanho-o finalmente de calças vestidas na piscina e ponho-o a andar para casa, sem que compreenda o que fez para merecer castigo.
A nossa minúscula demora a aquecer. Observa, faz rápidas incursões e regressa ao ninho, num vaivém de autoconfiança inabalável e insegurança social. Passeio-me com ela no bosque, até que detecta um grupo de colegas a passar e me deixa para trás sem hesitações. Nada podia ser mais natural, não me incomoda nem um pouco. Só me perturba a ideia de não estar bem ou de não voltar. Num rompante sou velho e sinto um acesso louco de saudades daqueles abraços da minha menina de 7 anos. Tranquilizo-me, por enquanto não lá estou, por agora sou feliz e vejo-a voltar para mim.
Voltados a casa, juntamo-nos na cozinha ao som do Rui Veloso e experimentamos uma receita nova. Estamos todos bem, estamos todos. Enganei-me, ontem não foi um dia banal. Foi magnífico, irrepetível. Ontem fui feliz. Que crime seria considerar isso banalidade.

Nuno