Por esta altura do ano, costumamos estar a entrar no Outono. Aliás, as
árvores já não estão no auge do verde lustroso e já se vêem montes siginicantes
de folhas castanhas no chão. Por esta altura, já se anda com hoodie ou casaco.
Mas hoje Amesterdão atingiu 32 graus celcius! Uma sensação desconcertante de
que as coisas estão fora do lugar. O que para mim, que tanto gosto de procurar
a ordem dos ciclos da natureza, e que me conheço desde sempre a organizar o
caos e a entropia à minha volta, é... perturbador.
Mas talvez seja assim mesmo que as transições nos fazem sentir.
Perturbados, desconcertados, nostálgicos, a fazer uma esparregata:
simultaneamente com um pé no passado e outro no futuro.
Ou talvez seja assim que me sinto nesta semana em deixei a minha menina
na Universidade, e o Grandalhão está fora, e o Champs anda cheio de projectos
entre o mestrado e o estágio, e organizamos a casa para obras, e nos
readaptamos e preparamos para mais transições.
Atenta aos filhos – sobretudo a ela - ainda tento sugerir isto e aquilo.
É uma batalha perdida. A vida agora é deles e tomam as decisões que entendem
certas, independentemente daquilo que eu acho que “deve ser”. Esta
minha mania de querer que o mundo se acomode ao que eu acho que devia ser...
O meu coração tem andado alternado entre a sensação de estar cheio, a
rebentar de orgulho por ela estar onde quer, com a de estar pequenino,
pequenino, vazio como o ninho.
Há algo de estrutural a mudar. É o fim de um bloco massivo da minha
vida, diria mesmo da minha identidade como mãe, de responsável e cuidadora dos
meus filhos. Claro que sou e serei sempre a mãe, mas este bloco no qual temos
vivido, diariamente, há 21 anos está a chegar ao fim. Aliás, o Champs voltou
para casa enquanto se lançou neste desafio mestrado e estágio, e a dinâmica é
totalmente diferente. Viveu sózinho 3 anos e regressar é, tem de ser, noutros
termos totalmente diferentes.
Acabou-se o quotidiano a 4. Os sermos os cuidadores, organizadores. É
uma mudança enorme. Talvez tanto quanto nos termos tornado pais. Para nós e
para eles, que também deixam de viver na existência de infância e adolescência
despreocupada. Agora têm de tratar das compras, da comida, da roupa, do tempo
que dormem, de gerir o seu tempo sem que haja alguém a criar estrutura, regras,
horários.
Estou contente e triste ao mesmo tempo. Apreensiva, a olhar para o
cruzamento que aí vem, sabendo que tenho de tactear esse percurso, pôr um dos
pés nesse futuro, sem que ainda tenha entendido, experenciado este que agora
acontece.
Tenho imenso orgulho nos nossos filhos. No que eles são, no percurso que
fizémos enquanto pais. Na estabilidade, acompanhamento, amor, atenção,
presença. No que demos e no imenso privilégio que recebemos por ser pais deles.
Não é um feito trivial.
Já uma vez copiei aqui no blogue este poema de Kalil Gibran, e volto a
colocá-lo:
“Your children are not your children.
They are the sons and daughters of Life’s
longing for itself
they come through you but not from you,
and though they are with you yet they belong
Not to you
You may give them your love but not your thoughts,
For they have their own thoughts.
You may house their bodies but not their souls,
For their souls dwell in the house of tomorrow
Which you cannot visit, not even in your
Dreams
You may strive to be like them
But seek not to make them like you.
For life goes not backward, nor tarries with
yesterday.
You are the bows from which your children
as living arrows are sent forth.
The archer sees the mark upon the path of the
infinite
And He bends you with his might
That his arrows may go swift and far.
Let your bending in the archer’s hand be for
gladness;
For even as he loves the arrow that flies
So he loves also the bow that is stable.
Gosto de pensar que fomos esse arco estável. E agora teremos de engolir
a agonia da partida e do ninho vazio. De sermos fortes para que possam
desprender-se, fortes, confiantes e aventurar-se nos seus voos. Não é àcerca de
nós. Continua a não ser. É sobre os seus caminhos rumo a um futuro que
constroem, que tomam as rédeas no que podem (porque a sorte também faz parte).
Alguém dizia que é melhor a expressão “pássaros livres” ao invès de
“ninho vazio”, porque este é triste e o outro celebratório. Vou
internitentemente gostando mais de uma expressão, ora da outra.
De certa forma sinto falta de uma comunidade com quem possa partilhar
experiências. A vida que escolhemos deu-nos uma imensa força de casal, mas o
facto de sermos tão pouco gregários, tira-nos essa partilha de experiências.
Que tantas vezes encontro nos meus livros.
A verdade é que tudo muda. E que a mudança é sempre difícil – o fim de
um projecto e o ínicio de outro. Uma mudança da pele do que se foi, e a que
aparece como nova do que passará a ser. Entre a perda e a tristeza do que foi e
o abrir espaço e entusiasmo para o que será para eles, para nós.
Setembro é mês de novos começos. E novos começos requerem mimo, paciência, e amor infinito. Na Suíça, adorava receber encomendas de Portugal. O amor que lá vinha... E que seguirá amanhã, agora como emissora.